O Brasil em convulsão social
A sociedade brasileira entrou em estado de convulsão,
exibindo uma crescente espiral de revoltas, protestos, greves que deixam bem
claro, mas muito claro mesmo, que esse papo de povo adormecido é coisa do
passado.
Ninguém mais consegue conter a fúria dos injustiçados
(todos nós) diante da barbárie com o dinheiro público que assistimos todos os
dias. Corrupção, leniência, incompetência, inflação, cinismo do governo,
lambança da Câmara e do Senado em seus eternos conluios acabaram detonando a
bomba. Ninguém é de gelo. Ninguém suporta mais ler que gastaram bilhões de
nosso dinheiro com a Copa, ou que um senador foi implantar cabelos usando um
avião da FAB para se deslocar de Brasília a uma cidade do nordeste ou que a
Petrobrás (um ícone sagrado) está sendo vilipendiada a olhos vistos.
Mais: teremos que dar dinheiro as empresas (via aumento
das contas e impostos) de eletricidade porque o governo, incompetente, ficou à
mercê da meteorologia e teve que ligar usinas termoelétricas. Enfim, o governo
deu um show de má fé e incompetência e agora recebe o troca: a fúria das ruas.
Faço questão de reproduzir aqui uma matéria de Cleide
Carvalho e Sergio Roxo publicada hoje no Globo:
Para
especialista, atos de violência vêm da descrença nas instituições
- Segundo pesquisa,
70,5% das pessoas não acreditam nas leis e 76,3%, no Congresso. Falta de
confiança aumentou desde 2006
SÃO
PAULO - A descrença nas instituições pode estar por trás das manifestações de
violência e de crimes bárbaros que têm ocorrido no país. Dados preliminares de
sondagem do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da Universidade de São
Paulo (NUPPs), feito em março deste ano com duas mil pessoas em todo o país,
mostram que 70,5% das pessoas não confiam nas leis; 76,3%, no Congresso; e
73,7%, nos empresários. A instituição mais confiável no Brasil, de acordo com
os brasileiros, são os Bombeiros (78%).
Segundo
o cientista político José Veríssimo Romão Netto, do NUPPs, a série da pesquisa
de confiança nas instituições públicas, realizada desde 1989, revela um aumento
na falta de confiança dos brasileiros de 2006 para cá. Romão Netto vê nas
manifestações e atos de violência atitudes que revelam ojeriza por tudo o que é
político, como partido, representação e poder. Para ele, a maioria da população
segue sentindo-se excluída das decisões no país:
—
As leis só protegem quem é parte da patota, é o pensamento. “Se não participo,
o que faz essa gente não me diz respeito”. “Se eu não cuidar do que é meu,
ninguém cuida”. “Se alguém roubou, faço justiça com as próprias mãos”. A ponto
de achar uma bruxa e colocar na fogueira, como na Idade Média.
Romão
Netto lembra que a ideia de que o povo não existe é antiga no Brasil e que as
elites acreditariam que o Estado poderia “criar” esse povo:
—
O Brasil sempre foi um país em busca de quem governar. As leis de representação
política nunca foram conquistadas. Em 1824, a representação foi criada para um
povo que não existia. Para quem a Família Real governou quando chegou? Então,
tentou criar uma categoria de gente governável.
Ele
cita, ainda, o debate sobre eleições diretas no Brasil, que, a despeito da
pressão popular, não passou na votação do Congresso na época (a emenda que
previa as Diretas Já, de Dante de Oliveira, foi derrubada no Congresso), sendo
negociada e adiada para 1989:
—
O calor popular iniciado em 78 foi apropriado pelo Estado na década de 90.
Organizações antes da sociedade civil hoje integram conselho de Saúde, conselho
tutelar e organizações sociais de cultura, por exemplo.
O Estado abriu poros
para participação e arrefeceu o ato heroico da sociedade que se organizava, que
tentava falar contra ele — diz Romão Netto, destacando ainda que, na prática,
líderes de organizações de sociedade civil acabam incorporados a mecanismos de
Estado em diversas esferas de atuação.
Também
analisando a relação entre povo e governo, o antropólogo Roberto DaMatta aponta
a falta de comunicação como fator que estimularia a agitação social recente no
país:
—
O Brasil é hoje um sistema com uma sociedade de consumo, com alta informação e
grandes expectativas, com empresas privadas funcionando a contento, mas com um
governo absolutamente desinteressado em devolver à sociedade aquilo de que ela
precisa. Há uma brutal dissonância entre um governo federal que obviamente não
se comunica com uma sociedade que demanda comunicação. O resultado é o furo da
mangueira: greves sem interlocutores e manifestações na qual o controle da
violência passa ao largo do Estado.
Sociólogo
e cientista político, Ruda Ricci afirma que, no caso da invasão de sede de
empreiteiras — como foi feito ontem por manifestantes ligados aos sem-teto —, o
ato faria parte de uma estratégia dos movimentos sociais de desvincularem do
governo federal a insatisfação pela realização da Copa:
—
Há intenção de se voltar o foco para conglomerados. É preciso lembrar a ligação
do MST, e do seu braço urbano, o MTST, com o PT — diz Ricci.
Também
na avaliação do sociólogo, a onda de insatisfação é resultado da ascensão
social dos últimos anos:
—
Toda mobilidade social muito grande e muita rápida provoca essa efervescência
de reivindicações. Nos Estados Unidos, houve um grande crescimento da classe
média nos anos 50 e a eclosão de conflitos raciais em seguida.
Ricci
avalia, ainda, que hoje no Brasil o grande conflito é urbano, e o MST, após ter
a sua base no campo desmobilizada por causa do Bolsa Família, passou a atuar na
cidade por meio do MTST:
—
A franja social urbana passou a ser muito importante nessa concepção de luta. (Colaborou
Alessandra Duarte)
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