Manual do Orgasmo
Ficção
extraída de meu livro “Torpedos de Itaipu”, editora Artware, 1995
Parecia filme italiano. Eu estava numa livraria dando
um tempo. Chovia pra cacete lá fora e o trânsito lembrava um enorme jacaré
bêbado. Livraria vazia. Entra um casal. Ele calmo, jeitão de economista do
Banco Central, óculos com lentes fundo de garrafa, meio mal humorado. Ela,
agitada, colorida, enfiada numa malha rosa arrochada; mulher grande,
brincalhona, muito, mas muito gostosa.
O aguaceiro engordou na rua. Não gosto de andar na
chuva porque toda hora enfiam um umbrella
na minha cara. Umbrella é
guarda-chuva em inglês...só pra contrariar. Brasileiro, apesar de tropical,
convive muito mal com as tempestades.
Voltando ao casal, ia tudo muito bem até ela pedir um
livro, subindo o tom da voz. “O senhor tem o Manual do Orgasmo?”. Até eu fiquei
sem saber o que fazer. Quem estava embrulhando parou de embrulhar, quem estava
empilhando livros parou de empilhar e eu que estava lendo orelhas parei de
olhar. Como todos prevíamos, o tal homem sereno virou um mamute enfurecido.
Completamente verde de ódio o sujeito levou a mulher
para um canto e, tentando falar baixo, vociferou: “Precisava me humilhar? Vamos
embora! Chega! Eu não aguento mais!”. E saíram no toró mesmo, soltando faíscas.
Não precisava ser desta forma. Muito se fala em alma
feminina, nos cuidados que temos que ter com a mulher, com os desejos da
mulher, com a liberdade da mulher, com a sensibilidade da mulher. Mas que fim
levou a alma masculina?
Uma mulher que entra numa livraria com o marido e pede,
vociferando, o “Manual do Orgasmo” está querendo barraco. Ou então pedindo.
Alguém dirá “quem sabe, era meio burrinha”. Não! Não existe mulher burra. Se
aquele mulheraço estivesse a fim de comprar o tal manual para usufruir teria ido
sozinha, ou com amigas, irmãs, com o cachorro, tudo, menos com o marido. Uma
sutil (???) maneira de dizer “benzinho, você está precisando afogar melhor o
seu gansinho”. E o tal livro (acabei dando uma olhada) parece manual de
funcionamento de freezer. A tomada é aqui, você liga ali, tem um botãozinho que
faz isso, uma carrapeta que faz aquilo. Pior: sem garantia, sem Procon.
Voltando ao drama da alma masculina, por mais que as
revoluções sociais, conceituais e etc e tal ensinem, o homem precisa ser
enganado. Precisa achar que é o princípio, meio e fim de uma mulher. Precisa
ser herói, único, indispensável, insubstituível, eterno. O homem sabe que é
mentira, mas essa mentira é sua fonte de sobrevivência. Em outras palavras, o
homem é um imbecil. Numa boa, sem ofensas. Ah, mas as coisas mudaram, dirão
alguns.
Mudaram coisa nenhuma. O homem ainda é o mesmo primata das cavernas,
macho, guerreiro, predador de lobos. E pobre da mulher que cair no conto da
evolução.
Um dos maiores confrontos do homem é o mistério que
ronda o orgasmo da mulher. Está provado que a maioria dos homens vai para a
cama muito mais interessada em fazer um belo workshop do que em sentir prazer.
Cama é uma espécie de showroom. Um leitor, certa vez, confidenciou num bar na
avenida Amaral Peixoto: “ Olha, não existe nada mais importante do que uma
mulher derrubada, com aquela cara de bagaço, esgotada. É quando me sinto
Hércules, Sansão, Homem Aranha”. Pergunto sobre a sua satisfação pessoal.
O
cara ri, bate com o copo de Genebra na mesa e arremessa: “Prazer eu sinto com um
cacho que tenho lá na subida da Caixa D´água.”
O homem é um golfinho sexual. Vai para a cama para ser
aplaudido de pé, ou de joelhos. Condenada estará a mulher que, estonteada pela
hipnose liberalista que de vez em quando bate em alguns, confessa que ele é
mais um. Ele sabe. Todos sabem. Mas o homem que ser o único, the best, o único,
The Beatles naquele palco. Dentro dessa conjuntura imagine o que o tal sujeito
da livraria sentiu quando a mulher, ao pedir o Manual do Orgasmo, declarou
publicamente que seu macho falha, pifa, dá tilt, é mosca de padaria.
Um conhecido meu separou-se da mulher há uns dois anos.
Vivia reclamando que a vida estava ruim, que não a amava mais, etc.
Conversaram, muita choradeira e ponto final. Três meses após a separação ele me
contou que tinha dormido na casa dela. “Saudade é fogo”, comentei. Mas ele
rebateu: “Saudade nada. Soube que ela já estava saindo com outro sujeito, me
bateu paranoia e eu fui lá. Conseguir melar tudo”.
O pior é que, até hoje, quando a ex-mulher começa a roçar em outro ele vai lá e crau! Só para não perder o lugar que ele mesmo
não quis. E ainda diz que ´ex-mulher não existe`. Alma masculina é chumbo
grosso.
Homem liberam só existe em anúncios de uísque. Nós,
machos, seres rudimentares e inferiores, nascemos com várias escrituras
imaginárias na cabeça, e apesar da psicanálise, da cromoterapia, da neurolinguística,
dos florais de Bach, da homeopatia, enfim, de toda a modernidade ainda somos os
mesmos... e (por que não?) vivemos como nossos pais, como cantou Belchior nos
anos 1970.
Haverá cura para o homem na sociedade contemporânea?
Vai chegar o dia em que ele conseguirá viver sem honra ou mérito, ou sem honra,
ou sem mérito? Será que um dia a mulher poderá comprar o Manual dos Orgasmo o
lado do marido como se estivesse comprando alpiste para o canário? Viveremos
momentos onde ex-mulheres imediatas (segundo a literatura, a mulher se livra
definitivamente de um homem num prazo que corresponde a 20% ao da convivência.
Exemplo: conviveu 20 anos levará quatro para se livrar) poderão namorar
livremente por aí? Não. Porque o maior drama do homem não é viver sem mulher, e
sim viver sem urras, elogios e “obrigado meu amo”.
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