O castigo de Sísifo
Não tenho vocação para Sísifo e seu castigo, apesar de já
ter dito aqui que o trabalho é a minha razão de viver. Sem exagero. Filei essa
afirmação do jornalista Samuel Wainer, pai de meu saudoso amigo Samuca, cuja
autobiografia se chama “Minha Razão de Viver” e continua a venda nas boas
livrarias.
Estou pegando fôlego, alugando coragem para reler “O Mito
de Sísifo”, de Albert Camus, que foi um herói de minha pós-adolescência, se é
que isso existe. Mas coragem não é uma casaca que você entra numa loja e aluga
para usar num batizado, casamento, funeral. Coragem anda por aí.
Um dia desses saí de manhã para ajustar os óculos, que
estavam escorregando pelo nariz. Fui a rua Gavião Peixoto, em Icaraí, onde em
frente ao número 113 (funcionava uma loja da Ortobom), perto da Pereira da
Silva, numa calçada muito estreita um “morador de rua” (definição dos politicamente
corretos) e seus quatro cachorros raivosos e imundos decidiram se fixar,
obrigando os pedestres a andarem pela rua. No auge de uma crise indefinida,
pensando no castigo de Sísifo, provavelmente de cabeça baixa, não reparei que
já estava chegando bem perto do homem e seus cães. Já ia desviar e andar pela
rua quando o sujeito vociferou “vai pela rua!”. Não prestou.
Em questão de segundos reações subiram a mente como larva
vulcânica: “vou chutar os cornos desse sujeito”; “que porra é essa de me mandar
andar na rua?”; “pago IPTU e Guarda Municipal não existe”; “transformar
cachorro em mendigo é sacanagem, vou soltar todos”. E por aí foi até uma
senhora se aproximar do sujeito com um embrulho de comida e farta quantidade de
ração para os cães. Ou seja, a culpa não é do cara mas dessa hipocrisia pequeno
burguesa, etc etc etc.
Fui em frente lembrando que no horário da manhã meu humor
fica indecifrável. Antes do meio dia, vejo uma cena dessas como “um malandro se
aproveitando de cachorros para achacar a multidão”. Já por volta das 2 ou 3
horas da tarde, pode ser que eu veja a mesma cena como “cachorros sendo
cuidados por um morador de rua, vítima dessa sociedade desumana e ególatra”.
Enquanto isso, no Maracanã...