Blow-Up
Quando
soube que “Blow-up”, de Michelangelo
Antonioni
(1912-2007),
baseado num conto do argentino
Julio
Cortázar (1914-1984),
seria homenageado por seus 50 anos de vida, gelei. Tive a péssima
intuição de que alguém poderia fazer um famigerado “remake
caça-níqueis” de Blow-Up, substituindo o denso suspense por cenas
de monstrinho cansado inventado por esgotados computadores, com
direito a Justin Bieber enchendo o saco no lugar do Yardbirds.
Alívio.
Muito assediados pelos parasitas, os donos dos direitos do filme
disseram um sonoro não e a comemoração do cinquentão foi
maravilhosa: uma bela versão restaurada, bela, bem cuidada, que
ainda está em cartaz em poucos e selecionados cinemas.
Para
quem não assistiu, o
filme gira em torno de um fotógrafo de moda londrino
chamado Thomas (David Hemmings), que após passar a noite fazendo
fotografias para um livro de arte numa casa, volta para o estúdio
atrasado para uma sessão de fotos com a supermodelo Veruschka.
Ele
passa por um parque da cidade e fotografa um casal. A mulher das
fotos, Jane (Vanessa Redgrave), furiosa por
ter sido
clicada (sugere que era casada e estava com um
amante), o segue até seu estúdio e exige os negativos de Thomas,
que lhe devolve um filme virgem. Curioso com a atitude, ao fazer
seguidas ampliações (blowups) de
suas fotos no local, descobre o que acredita ser uma mão apontando
uma arma entre os arbustos do
parque.
A
noite, ele volta ao parque e descobre um corpo no meio da mata (será
do amante de Jane?), mas sem a câmera, não pode fotografá-lo e
assustado com o barulho de um galho sendo pisado, deixa o local e
encontra seu estúdio revirado e suas fotos roubadas. Ao retornar no
dia seguinte ao parque, depois de mergulhar a noite londrina (1966
foi o auge da
efervescência cultural e revolução de costumes da cidade)
ele vê que o corpo desapareceu e acaba por não ter certeza do que
realmente viu.
Caminhando
absorto pelo parque, assiste numa quadra duas pessoas jogando tênis
por mímica,
sem
bolas nem raquetes.
Participando da cena, quando devolve a bola imaginária que lhe é
lançada por um dos jogadores, ele ouve o som da bola tocando o chão.
Assisti
a versão restaurada de Blow-Up sozinho no cinema. Não havia mais
ninguém na sala, uma experiência inédita e muito interessante. A
tela, os atores, as cenas, o grande mistério, eu e mais ninguém.
Quantos de nós já sentimos algo que parece existir como bolas e
raquetes de tênis invisíveis, imagens em preto e branco de tiros
prováveis com direto a corpos largados?
Blow-Up parece dizer que
temos direito ao delírio, a nos tornar apaixonados e até obcecados
por fantasias, como eu (e todos os adolescentes do mundo) por Vanessa
Redgrave na primeira vez que assisti, lá em 1968, com 12 anos. E,
ainda, vastamente excitado com as duas modeletes que brincaram com Thomas
e acabaram nuas no estúdio de fotos, emboladas num não explícito
ménage à trois. Foi o primeiro nu frontal (de raspão, rápido) que
vi na telona. Claro, não entendi o filme. Com essa idade poucos conseguem entender os jogos do absurdo.
Voltando ao presente, quando deixei o cinema deserto (última sessão), estava chovendo.
Caminhei lentamente, ruas vazias, árvores aliviadas, as cenas de
Blow-Up, o vazio existencial momentâneo e a certeza de que há sim
metáforas verdadeiras e verdades metafóricas.
Mas
esse é outro papo.
P.S.
- Alguns
artistas já conhecidos em 1966 aparecem no filme, outros se
tornariam celebridades depois dele. The
Yardbirds,
a primeira banda conhecida de Jimmy
Page e Jeff
Beck,
faz uma apresentação num clube londrino e Antonioni pediu a Beck
que refizesse a cena de Pete
Townshend,
do The
Who,
destruindo suas guitarras e amplificadores no palco, ato pelo qual o
cineasta era fascinado.
Veruschka,
modelo já famosa na Europa, que interpreta a si mesma, depois do
filme se tornaria uma celebridade em todo mundo. Michael
Palin,
comediante britânico que aparece numa das festas, alguns anos depois
ficaria internacionalmente famoso como um dos criadores do
grupo Monty
Phyton.
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