Postagens

Mostrando postagens de junho, 2020

Coisa mais linda

Imagem
                    Quando olho o meu R.G. e vejo lá “nascido no Rio de Janeiro” logo me vem o dia que o amigo e então vereador Sergio Marcolini me entregou o título de cidadão niteroiense. Foi em 1983 na Câmara Municipal. Minha família, amigos, colegas, todo mundo lá no fuzuê. Marcolini não tem ideia do bem que me fez ao formalizar um sentimento muito profundo. Nasci no Rio, mas escolhi Niterói para viver. Uma opção. Mas é claro que a condição de carioca também me emociona, ainda mais nascido no meio dos anos 1950, a década mais feliz do Brasil, como mostra Joaquim Ferreira dos Santos no livraço Feliz 1958 — o ano que não devia terminar”, lançado há anos mas que não paro de reler. Para completar, a Netflix nos presenteia com a segunda temporada série brasileira “Coisa mais Linda” que é um sobrevoo maravilhoso naquele Rio bossa nova da virada dos 50 para os 60. Importante assistir a primeira. A série foi criada...

"Detesto Bob Dylan"

Imagem
Entre aspas, por favor. Ouvi e ouço muito esse disparo. Eu mesmo só comecei a gostar de Dylan, ainda assim não muito efusivamente, nos anos 1980, especificamente a partir do álbum “Infidels”. Amigos dizem que cachaça é meio assim. Com o tempo, depois de muito incendiar as vísceras, acabamos gostando e, quem vacila, vicia e termina seus dias no A.A. Quando tem sorte. Voz de taquara rachada, chato, repetitivo, é assim que muita gente via e vê Dylan. Talvez sequer tenham percebido que a voz sofreu mudanças assombrosas ao longo do tempo, a ponto de gravar dois álbuns só com clássicos consagrados por Frank Sinatra: "Shadows in the night" e “Fallen Angels”. A crítica internacional elogiou, a do Brasil também, mas muita gente achou que os dois álbuns (gravados numa mesma série de sessões de gravações) foram uma provocação, um deboche. Não acho. Gosto dos dois discos. Volto a Bob Dylan porque semana passada ele lançou seu álbum úmero 39, chamado “Rough and ...

MEMÓRIAS DO "SEXTO BEATLE"

Imagem
Geoff Emerick foi um inglês de 72, que desde os 16 anos, trabalhou como assistente de engenharia de som nos estúdios Abbey Road. Ao lado de George Martin, o quinto Beatle, ele gravou a banda do parto até a pá de cal. Em “Revolver” passou a braço direito de Martin como engenheiro de som e foi promovido a sexto Beatle. Semanas depois de fazer palestras e workshops em Porto Alegre, Emerick morreu de ataque cardíaco em outubro de 2018, em Los Angeles Seu despretensioso livro “Here, There and Everywhere – Minha vida gravando os Beatles”, lançado recentemente no Brasil e totalmente esgotado (só dá para ler em e-book da Amazon), é um valioso testemunho de um homem que viu e ouviu tudo. Literalmente. Com o fim do grupo, em 1970, ele fez a engenharia de som para álbuns antológicos como “Band of the Run”, do Wings (as gravações na caótica, árida e infernalmente quente Lagos, na Nigéria, foram impressionantes), mas trabalhou também com Elvis Costello, Supertramp, Bad Finger, Cheap...

O seu dia

Imagem
Foi num dia chuvoso que fomos a Divino, em Minas Gerais, para você visitar um amigo desde os tempos de escola que estava adoentado. Um italiano cosmopolita, culto, espirituoso que se apaixonou por uma mulher daquela região. Não voltou para a Itália. Saímos cedo, ainda noite, cinco e meia da manhã para rodarmos quase 800 quilômetros de ida e volta. Você só queria dar um abraço no amigo e voltar. Paramos no Alemão, Rio-Petrópolis e comemos bem. Você estava alegre, eu também. Fazíamos muito bem um ao outro desde que o vi e você me viu no berçário da maternidade. No caixa, antes de voltarmos para a estrada, você comprou uma embalagem com seis bombons Sonhos de Valsa que ambos devoramos pelo caminho. Estrada sinuosa sob a chuva fina e, apesar de ir visitar o amigo não escondia o orgulho de estar me levando para, enfim, ir conhecer a sua pequena torrefação de café, lá em Divino, cujo amigo italiano gerenciava. Chegamos na cidade e fomos direto para a casa dele. A espo...

Bob Dylan: 'A pandemia é um indicador de algo mais que está por vir'

Imagem
Em uma rara entrevista, o ganhador do Prêmio Nobel discute a mortalidade, a inspiração no passado e seu novo álbum 'Rough and Rowdy Ways' Estadão/Douglas Brinkley, NYT Estadão/Douglas Brinkley, NYT Alguns anos atrás, sentado sob as sombras das árvores em Saratoga Springs, Nova York, tive uma conversa de duas horas com Bob Dylan que abordou Malcolm X, a Revolução Francesa, Franklin Roosevelt e a Segunda Guerra Mundial. Em um dado momento, ele me perguntou o que eu sabia sobre o Massacre de Sand Creek de 1864. Quando respondi: "Não o suficiente", ele se levantou da cadeira dobrável, subiu em um ônibus de turismo e voltou cinco minutos depois, com fotos que descreviam como as tropas americanas massacraram centenas de indígenas pacíficos Cheyenne e Arapahoe no sudeste do Colorado. Dada a natureza de nosso relacionamento, eu me senti à vontade em entrar em contato com ele em abril, depois que, no meio da crise do novo coronavírus, ele lançou ine...

Felicidade

Imagem
                                                                Se a felicidade é uma sensação podemos prolongar essa sensação? Perguntar ofende, mas fazer o que? Talvez fosse melhor mergulhar na alienação. Ri melhor quem ri sempre. No mundo não há lugar para amarguras. Vide os cafajestes, sempre risonhos, cabelos ao vento. Futebol, churrasco, cerveja. Nos bares, via (antes da quarentena) a sensação de felicidade naqueles que usam futebol como desculpa para encher a cara, abraçar desconhecidos, gritar, berrar, chutar cadeiras de plástico. Que mal há? Que mal há se esse potente entorpecente, já chamado de ópio do povo, que provoca a sensação de felicidade? A felicidade é um bem etéreo, pessoal e intransferível. Será que podemos realimentar essa sensação importando música, sexo, cinema, liv...

Redentor

Imagem
Setecentos e nove metros de altura. A vida ruge baixo, lá embaixo, abaixo de linha do Equador. Parto, infância, adolescência, vida. Avista-se tudo, olho nu, nas fronteiras aéreas que demarcam a existência. Traço, montanha, lago, mar. Imenso, profundo, imundo mar. Norte, sul, leste, oeste, quadrantes existenciais em recorte, expostos à nitidez da baixa umidade relativa. Gargalhadas, gritos, sussurros, de ontem, anteontem, passado, futuro. Detidos naquele amplo espaço. Soberbo e minúsculo ao pé da estátua; pulsar de cidades, fazendas, favelas, praias, até onde a vista alcança. Olho nu. Até onde a vista descansa. Tele objetivamente. O futuro joga as cartas. Destino a leste, de onde sopra a brisa. Suave e fresca. Ao pé da estátua em pedra sabão, a mulher chora e implora sob o rosto de pedra imponente, decente, que avista adiante, olho por olho, dente por dente. Futuro. Sol, chuva, orvalho, vendaval, tempestade. Abaixo, aviões, drones, helicópteros. O som do silê...

Um lisérgico lapso de lucidez do Rio

Imagem
                                                               João Gilberto e Tom Jobim "No dia em que reescreverem a Constituição, um dos novos artigos dirá: Todo brasileiro tem direito a um cantinho e um violão. Tem direito também a cidades saudáveis, matas verdes, céu azul, mar limpo e seis meses de verão". (Ruy Castro). Em tempos de cólera faz bem a alma ler "A onda que se ergueu no mar", um livro antigo do Ruy Castro (é de 2001), um verdadeiro poema para o Rio de Janeiro que que foi devorado pela insensatez. A personagem principal dessa obra é a bossa nova, movimentação cultural que surgiu numa fase do Brasil encravada entre o suplício representado pela era varguista, a boçalidade janista, o baixo astral apático do janguismo e o golpe de 1964. Coisa linda era o Rio nos anos 1950, início de 60. Coisa maravi...