"Detesto Bob Dylan"
Entre aspas, por favor. Ouvi e ouço muito esse disparo. Eu
mesmo só comecei a gostar de Dylan, ainda assim não muito efusivamente, nos
anos 1980, especificamente a partir do álbum “Infidels”.
Amigos dizem que cachaça é meio assim. Com o tempo, depois de
muito incendiar as vísceras, acabamos gostando e, quem vacila, vicia e termina
seus dias no A.A. Quando tem sorte.
Voz de taquara rachada, chato, repetitivo, é assim que muita
gente via e vê Dylan. Talvez sequer tenham percebido que a voz sofreu mudanças
assombrosas ao longo do tempo, a ponto de gravar dois álbuns só com clássicos consagrados
por Frank Sinatra: "Shadows in the night" e “Fallen Angels”.
A crítica internacional elogiou, a do Brasil também, mas muita
gente achou que os dois álbuns (gravados numa mesma série de sessões de gravações)
foram uma provocação, um deboche.
Não acho. Gosto dos dois discos.
Volto a Bob Dylan porque semana passada ele lançou seu álbum
úmero 39, chamado “Rough and Rowdy Ways”. São dez faixas com um CD isolado só com os estarrecedores 17 minutos de “Murder
Most Foul” um manifesto visceral sobre o assassinato de Kennedy. Dylan havia
gravado há alguns anos, mas decidiu lançar em março, quando a pandemia do
Covid-19 submeteu o mundo ao regime de quarentena.
O álbum inteiro está neste link:
Tenho ouvido o novo disco direto porque acho muito bom.
Jamais questionei a sanidade mental/emocional de ninguém,
especialmente em se tratando de (grandes) artistas. No caso de Bob Dylan,
sempre o vi com um borderline necessário a sociedade mais doente de todos os tempos,
que é esta que começou infestar o planeta no pré II Guerra Mundial.
Na minha não imodesta opinião, o cara que melhor conhece Bob
Dylan é Eduardo Bueno, o Peninha, escritor, jornalista, brilhante autor de
livros de história brasileira, faz o canal Buenas Ideias no You Tube, foi traduziu “Crônicas Volume I” de Bob Dylan e quase
amigo dele. Quase porque Dylan não tem amigos, ele passa por amigos, alta
rotatividade.
Quando esteve no Brasil, Eduardo Bueno andou pelas ruas de São
Paulo com o bardo que não gosta de conversar. Uma vez perguntaram “ele te conhece, se você ligar para a
casa dele vai te reconhecer?”. Claro que vai, Peninha disse, apesar de estar
puto com Dylan desde o final dos 1990 quando o músico, sem mais nem menos,
demitiu sem qualquer motivo o seu empresário pessoal após décadas de trabalho.
Foi em Porto Alegre.
O cara (americano), abandonado pela turnê, acabou hospedado
na casa de Peninha que, amigo e solidário a ele, “rompeu” com Bob Dylan, apesar
de continuar seu mais ardoroso fã aqui na América de baixo.
Sabem o documentário que está na Netflix “Rolling Thunder
Revue: A Bob Dylan Story By Martin Scorsese”? Tudo o que Dylan falou foi
inventado. É mentira, gozação. Como disse o Peninha “ele é o próprio jokerman”.
Sabem a autobiografia “Crônicas Volume I”, que Dylan escreveu e Peninha
(Eduardo Bueno) traduziu? Também é tudo mentira, segundo o próprio Bueno. Mais:
os anunciados (por Dylan) volumes II e III não existem.
Esse é o cara.
Ninguém sabe porque ao ganhar o Nobel de Literatura, em 2016,
Dylan não foi a Estocolmo buscar. Mandou a também cantora e compositora Patti Smith
representa-lo e, parece, o ambiente estava tão estranho que ela arremeteu no meio
da interpretação da suprema “A Hard Rain's A-Gonna Fall”, que ele compôs e
gravou em 1962 no auge da crise dos mísseis entre EUA, URSS e Cuba que quase jogou
o mundo num saco preto.
Assista aqui:
Não quero ousar tentar convencer alguém a parar de detestar
Bob Dylan. Só quero dizer que o novo disco é um primor. E que também não tenho
a mais rala ideia de quem seja Bob Dylan.
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