Mente caótica
Nossos predadores emocionais vivem nas savanas do
inconsciente e mantém no topo da cadeia alimentar a ansiedade antecipatória,
figurinha fácil no corredor da morte das penitenciárias onde a pena de morte é
formal. No Brasil é informal. Há muitos relatos de condenados que ficaram
ensandecidamente ansiosos para chegar o dia da execução, quando a ansiedade,
parece, cessa.
Dormir mal, comer mal, falar mal, cansaço instalado no
cotidiano, ansiedade antecipatória é capaz de levar o ser humano a milhares de
abismos por minuto, numa tortura inominável que devora dias e noites, semanas,
meses, anos, décadas.
Certa vez, lá na casa do cacete dos anos 70, fui me meter
a fazer meditação transcendental na torpe tentativa de tentar reduzir a
velocidade dos pensamentos caóticos. Baixei numa espécie de consultório em
Copacabana, num prédio que se chama Edifício das Boutiques, na Santa Clara.
Apesar do tsunami de mulheres maravilhosas na fila do
elevador, minha cabeça parecia uma Kombi capotando e pegando fogo na avenida
Brasil. Não deu nem para apreciar a bundolaria feminina. Olhei, mas não
apreciei.
O cara começou a sessão de meditação querendo que eu
ficasse de pernas cruzadas, similar a posição de lótus, mas eu nunca consegui e
não consigo até hoje. Acabei deitando de barriga para cima. Com a voz mansa ele fez uma contagem, disse um monte de
coisas e na minha cabeça surgiam piranhas (peixes) comendo a minha mão num
caixa de banco, incêndio no meu próprio corpo, afogamentos, enforcamento numa
floresta devastada, em suma, a tal meditação conseguiu reunir o pior do pior e
eu disse “para, meu amigo! Não aguento mais! Quanto é?, vou embora”. E fui.
No corredor do elevador fumei dois cigarros acendendo um
no outro (na época eu fumava e todo mundo podia fumar em qualquer lugar, até
dentro de aviões e berçários), andando de um lado para o outro como limpador de
para brisas aflito até golfar na lixeira e, meio trôpego, deixar o edifício das
Boutiques.
Eu tinha uma Brasília, carro de sucesso que a Volkswagen
fabricou de 1974 até 1982 e a bordo, em alto volume, enchi a cara de Led
Zeppelin como se fosse fogo paulista auditivo e as erupções de pensamentos
hediondos deram uma serenada.
Dias depois encontrei um saudoso amigo, médico
psiquiatra, numa fila de orelhão (telefones públicos que existiam até os anos 2000
quando começaram a ser extintos e hoje viraram raridades) e falei que estava
completamente descacetado “a ponto de recorrer a meditação transcendental.”
“Pior opção”, ele disse, “porque quando estamos sob violento estresse – que é o
seu caso - a meditação piora tudo, amplifica. Gasolina em lareira. Não adianta
tentar conter pensamentos através de mudanças de pensamentos.” Perguntei o que
poderia resolver e ele, muito objetivo aconselhou “tomar ansiolítico e fazer
psicanálise”. “Mas eu parei”, disse, “pois então retome já”, ele respondeu,
“mas faça em grupo para ver que todo mundo sofre disso”, encerrou, antes me
passando uma receita do hoje vintage Lexotan.
Foi quando ingressei na psicanálise e em várias outras
terapias ortodoxas e heterodoxas (florais, unha de corvo ao suco, etc) que uso
até hoje para conter a mente caótica. Não dá para conter 100% mas adquiri know
how para negociar com ela.
Há uns cinco ou 30 anos atrás (não lembro) eu estava
nadando a noite numa paradisíaca praia de Angra dos Reis quando o motor da
mente caótica girou e comecei a pensar na música do filme “Tubarão” (“tan tan
tan tan”), convencido que ia ser devorado por um ali mesmo. Apesar de pensar “não existe tubarão
aqui, não existe tubarão aqui, não existe tubarão aqui” desesperado nadei até a
praia e, quando cheguei, me joguei na areia. Acho que até suei no mar.
Um amigo disse, “caramba, você nada rápido pra cacete”,
comentou, “e até parecia eu, ano passado, quando mergulhei a noite, fui até lá
no fundo e lembrei daquela música do filme Tubarão, entrei em desespero e quase
andei sobre a água. Nunca mais pisei na água a noite”.
“Pois é”, respondi.