Será que o ser humano despreza as boas notícias?
Nos
anos 1980, eufórico, um colega decidiu lançar um jornal semanal só
com boas notícias. Não vou esquecer o seu semblante, sua vibração,
algo como se tivesse inventado a roda, a pólvora, a lâmpada. A
mesa, com quase dez colegas jornalistas, estava cética. Houve muita
discussão.
Uns
diziam que um jornal assim seria alienante, tiraria o público da
realidade e que a realidade, queiramos ou não, é brutal e
na época o Brasil vivia a ditadura militar.
Nosso animado colega rebatia dizendo que, exatamente por isso
(realidade brutal) o público deveria estar buscando um antídoto.
Outros acharam a ideia engraçada, mas o fato é que ninguém levou
fé no projeto do R. A. (iniciais do meu colega).
R.A.
era
perseverante. Não desistia
sob nenhuma hipótese,
mesmo levando um nove a zero numa mesa de bar. Não chegou a dez a
zero porque dei força ao projeto, e continuo acreditando (hoje mais
do que nunca) que um jornal só com boas notícias seria um sucesso
sensacional. R.A. procurou um desenhista, fez o esboço do jornal (o
termo técnico é "boneca do jornal") e saiu por aí à
cata do fundamental para qualquer mídia: anunciantes.
Antes,
deu um giro pelo Rio conversando com jornaleiros, observando o
comportamento dos leitores, principalmente aqueles que antes de
comprar um jornal dão uma conferida nas manchetes, nos exemplares
que ficam expostos do lado de fora das bancas. Mesmo percebendo que
as notícias ruins tinham muito peso na decisão do consumidor de
comprar um jornal foi
mais fundo.
Conversou
com alguns desses leitores e, segundo me contou mais tarde, a maioria
quase absoluta optou por primeiras páginas equilibradas. Algo como
sangue, suor e cerveja, digamos assim. Nem muito lá, nem muito cá.
Mas
o persistente R.A. estava longe de jogar a toalha. Um dia me ligou
para me mostrar o projeto do jornal. Gostei. Descobertas científicas
maravilhosas, entrevistas com gente otimista, muita cultura, palavras
cruzadas só com questões positivas, enfim, o jornal parecia uma
espécie de "Shangri-lá News". E durante um ano ele tentou
arranjar anunciantes. Conseguiu alguns, mas não foi suficiente para
cobrir os custos do jornal. Em vez de desistir, vejam vocês, R.A.
decidiu ir para o exterior onde hoje comanda um pequeno império de
jornais e revistas especializadas em lazer e turismo. Infelizmente
não consegui localizá-lo para publicar seu nome.
A verdade
é que o ser humano tem uma fixação pela tragédia. Uma espécie
que pagava ingresso para ver leão comendo cristão no Coliseu romano
e até hoje paga para ver lutas , assiste mundo-cão na TV e tudo
mais.
Será
que um jornal só de boas notícias, nos moldes do que R.A. bolou,
daria certo neste século 21? Totalmente apolítico, bem-humorado,
com notícias de coisas que estão dando certo, doenças que estão
sendo curadas, tecnologias que melhoram a nossa qualidade de vida,
mas tudo sem histeria. Linguagem tranquila, como se fosse a mídia
do lado bom do mundo, ou da humanidade se preferirem. Não sei se é
o caso de se fazer um jornal desses mas, com certeza, é hora de se
pensar em algo assim.
Ou
não?
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