Só a ficção é capaz de construir um mundo sem ódio
Até
recentemente não acreditava na existência do ódio. Mais do que
isso. Não acreditava que alguém pudesse me odiar até que tudo
aconteceu, ou tudo não aconteceu. Não conheço o ódio. Não sei se
ele faz acontecer ou faz não acontecer. Os motivos que nos tornam
odiados variam de acordo com a pequenez de quem odeia, mas em geral é
uma mistura de intolerância, impaciência, burrice emocional, falta
de contraprestação afetiva (de nossa parte) ou interesses contrariados, tudo sob o manto da onipotência cavalar, egolatria,
egoísmo e outras baixarias.
Situações
que os cafajestes tiram de letra, na base do rabo de arraia, da
rasteira existencial. Eles vem do nada, papo lascivo, dão boas
bimbadas, ficam por ali um tempo até enjoar, mentem alucinadamente,
caem fora, somem, voltam, comem de novo...ódio? De jeito nenhum. Até
na lamúria de suas consentidas “vítimas” o cafajeste é
cultuado em frases lapidares do gênero “veio aqui na maior cara de
pau, me comeu horas. Acordei de manhã e ele já tinha sumido, aquele
canalha, que não me liga, não me escreve...vândalo adorável”.
No
planeta da ficção podemos viver sem a presença cinzenta do ódio
porque lá podemos inventar presenças e ausências. Um mundo sem
ódio, por exemplo. Mergulhei
fundo no mundo da ficção quando escrevi meu primeiro (e
ainda único)
romance, “5 e 15”, que foi lançado em 2007 pela
Tech & Mídia Comunicação da amiga Liliana de La Torre.
Este
ano resolvi por o livro na internet. Quem quiser ler (aviso que é
barra pesada) é só clicar aqui: http://5e15lam.blogspot.com.br/
Não
foram poucas as pessoas que leram “5
e 15”
e depois mandaram e-mails com
perguntas do gênero “como nasceu a ideia
que você colocou no capítulo X?”. Sempre respondi “não sei”
porque de fato não tenho a menor ideia
de onde vem as ideias.
Todo
ser humano tem suas ficções. Isso é fato comprovado até por
revistas de fofocas. Existem as ficções do bem, que se transformam
em livros, filmes, peças de teatro, poesias, letras de música e as
do mal, muito chegadas a paranoias,
medos inexplicáveis, fofocas e dezenas de outras consequências.
Fato é que há muitos anos li num livro que botar pra fora as boas
ficções faz bem a saúde.
Eventualmente
me aventuro a escrever devaneios totalmente ficcionais, mas, ainda
assim, alguns leitores perguntam se o que escrevi aconteceu ou não.
Ou então, se aquela ideia
foi inspirada em alguma experiência pessoal que vivi, enfim, parece
que alguns leitores precisam ver um pouco de realidade nas ficções.
Tenho
colegas jornalistas que se dão muito bem com a ficção, mas eles
sempre dizem que o pavio é aceso por algum elemento factual, alguma
coisa que aconteceu ou que eles achavam que iria acontecer. Outros
não conseguem. No máximo produzem uns ensaios, sempre baseados em
fatos, dados, comprovações.
Um
de meus primeiros textos de ficção brotou da história que foi
contada em uma roda por um lendário cascateiro de Niterói. Ele
disse que certa vez estava numa boia
de pneu de caminhão na Praia de Icaraí, pegou no sono e acordou em
Copacabana. Sem ter o que fazer, dormiu de novo e acordou em Icaraí.
E ai daquele que o questionasse porque além de truculento ele
brigava bem pra cacete.
Tanto
que, anos mais tarde quando publiquei a história num jornal local
(totalmente maquiada, disfarçada, cheia de artifícios, mas não
adiantou porque ele reconheceu) o cara andou me procurando. Diziam
que queria me dar uma surra.
Até
que o acaso me fez encontrá-lo na fila do cinema Icaraí e ele me
tratou amavelmente, ofereceu pipoca e o falecido (eu acho) Chucola,
drops de Coca Cola. Entendi. No fundo, ele adorou ver sua história
publicada, apesar de todas as deformações que cometi para
ocultá-lo. Vai entender. Aliás, entender pra que? Por que temos
essa cisma de querer entender muitas coisas que nos são totalmente
inexplicáveis, entre elas a ficção?
Não
sei.
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