Censura já proibiu temperatura de 40 graus*


*Minha coluna semanal no jornal A Tribuna RJ, edição impressa de sábado, 16 de maio de 2020. Nas bancas.
                                                            

O então deputado Álvaro Fernandes (à esquerda) com o ex-governador Roberto Silveira, em Bom
Jesus do Itabapoana, RJ.

Abro a coluna com trechos de um artigo de Ruth de Aquino, publicado no Globo de ontem, intitulado “Bolsonaro fala uma verdade”:

“As Forças Armadas estão sim com ele. Os militares o apoiam. Não em bloco uníssono. E não em todas as barbaridades. Mas na essência. Os militares do Planalto estão inebriados com o poder e com a revisão histórica do golpe de 1964 e da ditadura. Só ingênuos insistirão na tese de que os generais podem puxar o tapete vermelho de um capitão inculto, indisciplinado e autoritário ao extremo. Eles se usam mutuamente. (...)

“Houve uma escalada do apoio militar. O general Villas Boas elogiou a performance destrambelhada de Regina Duarte, por sua “inteligência, humildade e segurança”. A marcha ao STF com empresários foi acompanhada pelo general Braga Netto, o sorridente no comando das crises. O general Augusto Heleno afirmou que divulgar na íntegra o vídeo da reunião ministerial é “um ato antipatriótico. (...)

O apoio explícito das Forças Armadas é uma das poucas verdades que ouvimos de Bolsonaro. E a verdade dói. É mais um prego no caixão verde-amarelo.”

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Estou no segundo volume da biografia de Getúlio Vargas, de Lira Neto, que tem ainda o tomo III. O que leio se chama “Getúlio: 1930-1945 – do governo provisório a ditadura do Estado Novo” e recomendo a todos.

A pessoa que teve paciência de me explicar o trabalhismo e Getúlio, foi o saudoso Álvaro Fernandes, liderança do antigo PTB, deputado cassado pelo golpe, figura humana maravilhosa.

Foi um longo papo na sala da casa dele, extensão de uma entrevista que fiz. Dr. Álvaro era um apaixonado pelo trabalhismo, pelo PTB, mas me disse que “apesar da minha enorme admiração não concordo com muita coisa que o Getúlio fez no Estado Novo. Foi horrível.”

Lembro dele em minha leitura. Há um capítulo sobre a real aproximação do indecifrável Getúlio do nazi fascismo. A lendária cena do baile promovido por Getúlio no Palácio Guanabara em 1938 foi bizarra. No salão, a filha de Mussolini (o autor descreve como linda e sensualíssima) dançava esvoaçante com um oficial nazista e na varanda estavam os norte-americanos que tinham indo negociar a construção da Siderúrgica de Volta Redonda. Ninguém se falava, com exceção de Getúlio que, sorriso no canto da boca, curtia aquele mal estar fumando o seu charuto.

O irmão de Getúlio, Benjamim, conhecido como Bejo, acabou pegando a filha de Mussolini com quem passou vários dias em deliciosas esbórnias pela noite do Rio, culminando com um banho noturno em Copacabana. Os dois estavam nus, para indignação dos moradores que chamaram a polícia.

O Estado Novo proibia a divulgação de temperaturas acima de 40 graus. Rádios que noticiassem que a máxima tinha atingido 40 graus e um décimo, em qualquer ponto do território nacional (inclusive na adorável Bangu), corriam o risco de serem multadas, ou cassadas. Por que? Porque naquela época a legislação trabalhista obrigava que todos os empregados fossem liberados quando a temperatura ambiente passasse dos 40 graus.

“Rio 40 graus”, filme de Nelson Pereira dos Santos, apesar de ter sido lançado em 1955 também foi degolado. Motivos alegados pelo capitão censor:
“Promove a desagregação do país, por ser comunista e apresentar apenas os aspectos negativos da capital brasileira. “Rio 40 graus”, é “mentiroso” porque aqui a temperatura nunca ultrapassara 39 graus.”

A censura mandou tacar fogo em todos os exemplares de “Dona Flor e seus Dois Maridos”, de Jorge Amado, alegando que o trio Vadinho, Flor e Teodoro era um atentado a moral e aos bons costumes. Na verdade, todo mundo sabia que Jorge Amado era comunista, daí a perseguição.

São esses exemplos que me tornam cada vez mais intransigente na defesa do amplo, geral e irrestrito exercício da liberdade de expressão, de ação, de tudo. Liberdade não tem meio termo, água morna, acarajé sem pimenta, cerveja sem álcool. É calça de veludo ou lorto de fora.





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