O ególatra vampiriza as ideias
Texto
restaurado e remixado
Ególatra, segundo o Michaelis: “aquele que cultua o
próprio eu; praticante da egolatria”.
Meses atrás encontrei um ególatra na rua. Eu estava
andando rápido pelo centro da cidade em direção a uma livraria e o ególatra
vinha no sentido contrário. Vinha sozinho, é claro, porque ególatras são seres
socialmente insulares. Tentei escapar, mas quase fui atropelado por um táxi.
Caí no alçapão. O cara me encheu o saco por exatos 53 minutos de monólogo, já
que ególatras não conversam, eles ditam regras, procedimentos, enfim, montam o
diálogo.
Contou uma longa história que na verdade pertencia a
outra pessoa. Explico. Ele disse que fez um vitorioso projeto na área ambiental
que todo mundo (ou quase todo mundo) sabe que é de autoria de outra pessoa. Só
que essa outra pessoa morreu e o ególatra simplesmente vampirizou o projeto.
Assumiu como dele. Inclusive, andou tentando vender para algumas empresas que,
alertadas, não fecharam o negócio. O pior é que ele continua andando por aí,
sempre babando ovos, puxando sacos dos poderosos, milionários, de preferência
corruptos. Como diz um amigo meu “essa laia é como tatu. É só ver um buraco que
entra”.
Ele se convidou para tomar um café e já que eu estava
junto acabei indo. Estávamos na rua do Ouvidor. Falando (de si) sem parar,
papos envolvendo delirantes milhões de dólares, ele pediu o café, pediu o
adoçante, pingou na minha xícara, mas eu estava tão absorto diante daquele
espetáculo imbecil e calhorda que deixei rolar. Para o ególatra não existe
tu-eles-nós-vós-eles. Só existe o EU.
“Eu fui ver Roger Waters no Morumbi, ele disse. Fiquei
na primeira fila e durante vários minutos percebi que Roger tocava olhando para
mim. Já aconteceu isso com você?”, perguntou misturando o cafezinho. Eu disse
que não. Ele fez uma cara de “só comigo porque sou f*$@#&*%oda, isso não é
para qualquer um”. O pior da história foi quando ele me confidenciou: “muito
entre nós porque, você sabe, sou low profile, mas Roger Waters me procurou e
pediu que eu ajudasse na escolha do repertório do show”. Doença? Não.
Transtorno mental? Não. É mau caratismo mesmo.
Eu, eu, eu. Eu fiz, eu comi, eu fui, eu voltei, eu
decidi, eu...cof! cof! cof! O ególatra teve uma crise de tosse e golfou na
calçada. O dono do bar, grosso pra cacete, não fez por menos: “pô, isso aqui
não é lugar de bêbado”. O ególatra não reagiu. Estava transtornado com o
vexame. O vexame de ser gente. Gente comum, que teve uma crise de refluxo, sei
lá. Pediu que eu pagasse os cafés e saiu correndo, literalmente. O dono do bar
olhou pra mim com uma cara esquisita, resmungou, eu disse “o cara passou mal,
mas não estava bêbado”, o homem deu de ombros e iniciei o caminho de volta a
praça 15 para embarcar no catamarã.
Pensei no ególatra. O que é pior? Sofrer de baixa
estima, se achar um cocô, um réptil e mesmo assim brilhar, fazer coisas,
acontecer ou se achar um Nero, um clone dos outros, um estelionatário
existencial, uma versão bípede do Olimpo e não fazer coisa alguma? Sim, porque
100% dos ególatras que conheço estão existencialmente falidos. Mulher nenhuma
atura e, no trabalho, podem ter QI de 200 mil mas logo são mandados embora
porque rapidamente assumem a postura de “donos do estabelecimento”, quando na
verdade são empregados. Ahhhh, pobre de ti se “xingar” um ególatra de
empregado. Ele vai quebrar o espelho. Na sua cara.
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