Entrevista com Paul McCartney sobre Sgt Pepper´s, fim dos Beatles, etc, etc, etc
Remixado
e reeditado
A
conversa de Macca com Anthony Decurtis, da Rolling Stone americana, ano passado.
Como
foi o "verão do Amor" (1967) para você?
Legal pra caramba. Tínhamos acabado de decidir que
suspenderíamos as turnês porque já não estava mais valendo muito a pena.
Parecia que não estávamos progredindo, o público continuava berrando, mas a
gente se encheu daquilo. Tínhamos a idéia de fazer um disco que sairia em turnê
por nós. Isso veio de uma história que tínhamos lido a respeito do Cadillac de
ouro do Elvis fazendo turnê. Achamos que era uma idéia maravilhosa: ele não sai
em turnê, só manda o Cadillac. Fantástico! Então, pensamos: "Vamos
despachar um disco". Passamos mais tempo em estúdio e o resultado foi Sgt.
Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967). Então, foi maravilhoso. Estávamos
amadurecendo? Não sei. Olhando em retrospecto agora, éramos praticamente
crianças, apesar de nos sentirmos muito adultos. Tanta coisa tinha acontecido
com tanta rapidez, certamente desde a viagem dos Beatles para os Estados Unidos
em 1964. Em essência, aqueles três anos foram a diferença entre "I Want to
Hold Your Hand" e "Sgt. Pepper's." Os tempos estavam mudando,
como sr. Dylan disse. Só estávamos seguindo nossos instintos, mas havia um
grande arroubo de energia, as idéias vinham rápidas e consistentes. Todos os
tipos de idéias novas - artísticas, políticas, musicais. Começamos a escrever
coisas que eram diferentes porque nossas conversas, nossos pensamentos e nossos
sentimentos eram diferentes. Estávamos passando muito mais tempo longe da
estrada, com outros artistas, e isso nos permitiu investigar outras coisas.
Tínhamos muitos amigos no mundo da música e no mundo da arte, e havia uma
grande fertilização cruzada. Foi uma época ótima para experimentar coisas e
tudo isso penetrou na nossa música e no nosso estilo de vida.
Eu
me lembro do impacto de Sgt. Pepper's como algo instantâneo e onipresente,
tocando em toda casa noturna a que se ia, toda loja de roupa, toda loja de
discos. Você fazia idéia de que teria esse tipo de efeito?
Foi ótimo, para falar a verdade. Como tínhamos parado
de excursionar, a mídia começava a sentir que as coisas estavam calmas demais,
o que criou um vácuo, de modo que puderam falar mal de nós. Diziam: "Ah, a
fonte secou". Mas nós sabíamos que não tinha secado. Sabíamos o que
estávamos fazendo, e sabíamos que nossa fonte estava longe de secar. Na
verdade, o oposto estava acontecendo - vivíamos uma enorme explosão de forças
criativas. Nós pressentimos isso. Realmente não comentamos o assunto com muita
gente. Tocávamos uma demo aqui, outra ali [para os amigos] e tal, mas o mundo
de maneira geral não sabia de nada. Mas, como disse, o que alguns críticos comentavam
era: "Ah, eles estão acabados". Enquanto isso, estávamos lá
trabalhando com alegria, como os Sete Anões - "Trabalho, trabalho,
trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho!" [risos]. Estávamos nos
divertindo muito, obviamente, montando essa coisa. Daí, quando saiu, foi
fantástico. Naquela época, costumávamos lançar [álbuns] na sexta-feira, e
aquele fim de semana foi uma coisa. Eu me lembro de ter recebido telegramas que
diziam coisas como: "Vida longa a Sgt. Pepper's!". Esse era o sentimento
geral, e era maravilhoso. Naquele domingo, Jimi Hendrix tocaria no Saville
Theatre no West End de Londres, e ele abriu o show com o tema de Sgt. Pepper's.
Cara, o disco estava mesmo em todo lugar! E é claro que nós só ficamos surfando
naquela onda artística. Foi bem bacana exercer tanta influência assim. Como eu
disse, era verão, e o sol brilhava, e lá estávamos todos nós, no maior astral
[risos]! Eu me sinto muito privilegiado por ter vivido aquilo, em primeiro
lugar e, em segundo, por ter sido o epicentro dos acontecimentos.
Deve
ter sido uma sensação muito estranha - passar por mudanças enormes e,
simultaneamente, gerar mudanças similares para milhões de outras pessoas.
Foi sobrenatural. Nós tínhamos nos acostumado com uma
parte disso simplesmente por sermos os Beatles. Até "I Want to Hold Your
Hand" tinha deixado as pessoas loucas. Mas agora a coisa passava para
outro nível. Estávamos entrando no coração e na mente de todos.
Parecia
muito que Sgt. Pepper's fazia parte do sentimento daquela época em que, de
algum modo, tudo iria se transformar, que nada jamais voltaria a ser como
antes.
É engraçado, conheço muita gente que, depois dos anos
60, teve uma sensação de decepção que nunca passou. Eu pessoalmente achava que,
ao passo que tudo estava mudando, não necessariamente significava que tudo
mudaria. Nós tínhamos longas discussões a respeito de como um dia as pessoas da
nossa geração se tornariam primeiros-ministros, e seria bem sobrenatural [para
eles] o fato de terem sido afetados por esse período. Mas, ao mesmo tempo,
éramos realistas, e pensávamos: "É, mas vão continuar sendo
políticos". Dava para saber que tudo que estava acontecendo no mundo
mudaria a ordem das coisas em alguns aspectos, mas não em todos. E isso está
provado pelos nossos líderes atuais. Eles continuam presos aos anos 40 ou algo
assim.
Houve
algum acontecimento específico que fez com que você se desse conta de que os
anos 60 não cumpririam suas promessas?
Suponho que preciso considerar o rompimento dos Beatles
como o momento mais sombrio. Os Beatles chegaram a um ponto em que implodiram -
todos tinham dinheiro e fama e, de vez em quando, era inevitável que nos
irritássemos uns com os outros. Eu tinha conduzido a dança um pouco em Sgt.
Pepper's. Para mim, o título e a idéia toda foi inspirada pela época e pela
fertilização cruzada com os outros artistas. Queria que fosse algo do tipo:
"Uau, cada um de nós tem sua lista de heróis [na capa] e vamos assumir
estes alter egos. Seremos pessoas novas fazendo este disco, e podemos mais ou
menos viver nestes corpos novos e fazer um álbum como se fôssemos outra
banda". Aquilo foi libertador. Mas, depois disso, não dava para sentir que
era possível seguir em frente como aquela outra banda. Você inevitavelmente
voltava à terra, fazia parte dos Beatles.
E
foi aí que os problemas começaram...
Foi quando começamos a discutir assuntos comerciais,
principalmente com o advento de Allen Klein - ou "um certo empresário
norte-americano", ou seja lá como somos obrigados a nos referir a ele.
Deixemos para o departamento jurídico resolver. As conversas passaram a ser
assim: "Ah, que merda, vamos ter mesmo que pensar sobre isso agora ou
perderemos tudo por que trabalhamos". E isso causou um racha tremendo.
Você
acabou processando os outros Beatles.
Foi o pior momento da minha vida, quando me informaram
que não poderia me opor a esse tal de Klein, esse "suposto empresário
norte-americano". Como ele não era uma das partes de nenhum dos nossos
acordos, precisei brigar contra os outros três caras. Foi uma situação com a
qual me debati durante meses. Ou era: "Não, não brigue com esses caras e
perca tudo para todo o sempre" ou "Brigue com esses caras e salve
tudo". Foi um dilema. No final, pensei: "Acho que eles não sabem o
que estão fazendo, estão cometendo um erro pavoroso". Então eu, de fato,
briguei no Tribunal Superior e venci, por sorte. Isso criou um estigma terrível
para mim, como sabia que criaria - não tinha entrado naquilo de bobo. Sabia
qual seria o preço. Mas achei que, no fim, as pessoas descobririam que tinha razão.
E foi gratificante quando todos os caras, no final, piscaram para mim e
disseram: "Foi bom você ter feito aquilo". Até Yoko [Ono] reconheceu
isso. Mas foi uma coisa horrorosa de se viver. Foi quando o sonho se desfez
para mim.
Houve
um ponto em que você sentiu que, apesar da dissolução da banda, seria capaz de
seguir em frente e continuar a se divertir?
Fazer o álbum McCartney (1970) foi bom para mim nesse
aspecto, porque realmente retornei às raízes. Eu me senti bem, e isso é bom.
Até hoje, as pessoas reparam naquele álbum. Com freqüência acontece com os
artistas e os músicos - eu ia dizer especialmente, mas acho que está mais para
igualmente - de o trabalho ser aquilo que faz você se compreender. A música é
especialmente boa para isso, é uma boa terapia. Estava passando pela coisa
terrível de perder a amizade daqueles meus camaradas da vida toda, e para quê?
Bom, a mim parecia que o motivo era tentar salvar a vida deles. Aliás, não
existiria uma [gravadora] Apple para estar em litígio com a Apple, não existiria
problema algum com Steve Jobs - e não existe mesmo, falando nisso, já foi tudo
resolvido -, mas não existiria uma Apple Records hoje. Tudo teria desaparecido;
a coisa toda simplesmente não existiria. Não haveria nenhum show em Las Vegas,
não haveria nenhuma destas coisas que agora estão aí tão gloriosas se não
tivesse tomado aquela atitude. Mas foi uma decisão dura de verdade. Foi uma
daquelas coisas que exigem terapia depois, e para mim, voltar à música foi essa
terapia. E, é claro, com a enorme ajuda de Linda. Ela foi uma das grandes
responsáveis por me fazer voltar à vida e seguir em frente. Ela era um bastão
de força naquele momento. Isso e produzir música fizeram com que atravessasse
aquele período.
Você,
George e Ringo puderam desfrutar os ressurgimentos dos Beatles. John, é claro,
morreu antes de boa parte disso acontecer, e a George também se foi.
Esta é a pior parte de ficar adulto. Você perde amigos,
é inevitável. Não é exatamente uma surpresa, mas é terrível. É muito triste.
Conhecia John intimamente há tanto tempo. Sempre me admiro com o fato de eu ter
sido o cara que se sentava com John para escrever todas aquelas coisas. Éramos
só ele e eu em uma sala e isso era bem especial. Então, perdê-lo foi horrível.
E foi especialmente triste porque tínhamos superado a desavença dos Beatles.
Apesar de ele estar morando em Nova York, nós conversávamos com bastante
regularidade. Simplesmente conversávamos sobre coisas cotidianas - sobre o
filho dele, Sean, e sobre a vida em geral, sobre os pães que ele assava.
Trocávamos receitas de pão, era ótimo. Então, simplesmente foi uma tragédia
horrível ele ter sido arrancado daquele jeito. No caso de George, foi
igualmente trágico. Eram meninos tão lindos, sabe? [Ele faz uma pausa, e sua
voz treme] George era simplesmente um sujeito ótimo. Ele era um garotinho que
eu conheci em Speke, Liverpool, só um garotinho que entrou no meu ônibus. Eu
subi no ponto anterior ao dele, e ele entrou e nós começamos a conversar sobre
guitarras e rock'n'roll. Depois, quando estávamos procurando um guitarrista, e
eu mencionei o nome dele a John, George se juntou ao grupo. E daí passou a ser
apenas o sábio George. Ele era um sujeito lindo que não agüentava gente burra.
Era uma alma muito linda. Nem me deixe começar, cara. É um horror ter perdido
aqueles caras. Mas a verdade terrível é ser adulto.
Você
tem ideia do que continua a tocar as pessoas com os Beatles depois de todos
esses anos?
Acho que, basicamente, é a magia. Os Beatles eram
mágicos. Para mim, a vida é um campo de energia, um punhado de moléculas. E
essas moléculas específicas se formaram para que aqueles quatro caras virassem
os Beatles e fizessem todo aquele trabalho. Preciso pensar que foi algo
metafísico. Uma coisa que deve ser considerada mágica. Estou sendo muito extravagante?
Se você quiser ser prático, acho que as músicas eram muito bem estruturadas.
Quando as canto atualmente em shows, penso: "Isso aí é bom, é sim. Que
verso bom. Ah, entendi!". É uma redescoberta. Você simplesmente lembra:
"Ah, foi por isso que fiz assim". Então, elas também têm uma força
física, é trabalho bem-feito.
Você
teve papel importantíssimo depois dos ataques de 11 de setembro, organizando o
Concerto para a Cidade de Nova York e ajudando a reconstruir a confiança da
cidade. Mas muita coisa aconteceu para complicar nossa noção do que houve
naquele dia. Quando você pensa em 11 de setembro hoje, o que lhe vem à mente?
Bom, tenho minhas lembranças pessoais de estar no
[aeroporto de Nova York] JFK e de ver a fumaça das torres gêmeas. O aeroporto fechou,
nosso vôo foi cancelado, fomos para Long Island e ouvimos o noticiário e
assistimos a TV. E depois pensei em fazer meu próprio concerto, mas tudo
culminou no Concerto para Nova York, que foi ótimo, porque muita gente queria
fazer alguma coisa. Foi ótimo fazer parte daquilo - ajudar os norte-americanos
em particular, mas o mundo de maneira geral, a colocar seus sentimentos em
algum lugar. A oportunidade perdida foi que as pessoas ficaram com um enorme
sentimento de solidariedade em relação ao povo americano, e as ações políticas
que se seguiram a 11 de setembro desperdiçaram a oportunidade. Foi como se
alguém no playground tivesse apanhado, mas não sabia quem tinha batido, e por
isso resolveu descontar na pessoa mais próxima - e isso se transformou no
Iraque. A agenda política é a culpada.
Olhando
para a frente, quais são as principais questões que se colocam agora?
Fazer algum avanço em direção à paz mundial. Seria
ótimo se as pessoas com diferenças no mundo hoje percebessem que não existem
diferenças - é um campo de energia! Precisamos da mesma velha coisa de sempre:
paz e amor. Não sendo frívolo, mas esse continua sendo o grande objetivo. Bom,
e vocês aí precisam de um novo líder [risos]! Quer dizer, isso ajudaria.
Nem
brinque...
O ambiente é uma realidade. Algumas pessoas me dizem:
"Há tantas causas, não sei quais apoiar". Há as minas terrestres, os
maus-tratos com animais, só para mencionar duas pelas quais me interesso. É
como se considerassem este o problema: "Qual causa apoiar?". Eu
respondo: "Não entre em pânico, apenas escolha uma que o agrade e vá em
frente. Todas estão conectadas". Mas eu sou otimista, tem muita gente
bacana por aí. No momento, temos montículos de terra. E tudo bem. Isso é bom.
Mas precisamos que se transformem em uma montanha. Tem muita gente inteligente
por aí, mas, infelizmente, também tem um monte de imbecis. Mas o meu otimismo
me leva a torcer para que os inteligentes construam a montanha.
E
qual você gostaria que fosse seu legado pessoal?
Sempre que me perguntavam como eu gostaria de ser
lembrado, respondia: "Com um sorriso". Mas gostaria que as pessoas
entendessem o que eu fiz e pensassem que há uma enorme força naquilo. Gostaria
que as pessoas pensassem que uma parte daquilo chega a ser demoníaco de tão
forte. Isso me bastaria.
Comentários
Postar um comentário
Opinião não é palavrão. A sua é fundamental para este blog.
A Comunicação é uma via de mão dupla.