30 anos de Rock in Rio: apesar de tudo não me arrependi
Rock in Rio I, palco ao fundo. Liliane Yusim, eu, Maurício Valladares, Claudia Cid e Alvaro Luiz Fernandes. Foto de Hilário Alencar. Janeiro de 1985.
Angus Young - AC/DCOzzy Osbourne
Em 1984 a Rádio Fluminense FM estava em seu segundo ano
de vida, com a audiência lá em cima, nas nuvens, e o faturamento comercial lá
embaixo. Como sempre. Por razões quase inexplicáveis, a mais importante
emissora de rádio dos anos 80, inovadora, revolucionária, ousada, não tinha
dinheiro para pagar a conta de luz. Seu dono, o jornal O Fluminense, sustentava
a Maldita. Foi assim desde o primeiro dia no ar.
Eu estava sentado na sala da Produção e o gerente de Promoções, Álvaro Luiz Fernandes (sucessor de Carlos Lacombe), abriu a porta dizendo que o Roberto Medina, da Artplan, queria falar comigo no telefone. Lembro que a secretária do Medina se chamava Leila que, como 700% das pessoas que ligavam para a rádio, reclamou da dificuldade. Era uma única linha direta para atender a direção da rádio, ao comercial (existia?), promoções, locutoras, ouvintes. Tem gente que acha essa história o maior barato, exótica, peculiar, mas eu não penso assim. Achava e acho essa situação lamentável e triste.
Roberto Medina não queria anunciar na rádio e sim ter
uma reunião. Dei uma desanimada. Uma verba (estávamos no segundo semestre de
84) cairia muito bem. Agendamos a reunião. Eu não tinha ideia, mas a menor ideia
do que se tratava.
No dia marcado, fomos para a sede da Artplan, na época na Fonte da Saudade (imediações
da Lagoa, Zona Sul do Rio), onde Medina e equipe nos aguardavam. Em caráter
sigiloso, nos foi apresentado o projeto do Rock in Rio, numa espécie de
projeção em telão (seria o Power Point de hoje) que nos deixou de boca aberta.
O que Medina e equipe queriam da Fluminense FM: uma
consultoria. Segundo eles, foi feita uma pesquisa no Rio e São Paulo
comprovando que o público jovem que interessava ao festival estava ouvindo a
Fluminense direto, o que para nós não era novidade alguma já que um dos raros
investimentos da rádio era assinar o relatório completo de audiência do Ibope.
Falando bem, em “ideologia do rock” e outros chavões
supostamente sedutores, Roberto Medina fez uma espécie de pedido de favor: fazer uma enquete entre os ouvintes para a
Artplan saber que artistas deveriam trazer. Nós teríamos que fazer a enquete
sem revelar o projeto, o que não foi difícil. Pusemos no ar uma pergunta do
tipo “se você fosse fazer um festival internacional de rock, quem convidaria?”
Em troca, o que a rádio receberia? Nada! Em nome da tal ideologia do rock, das
nossas camisas roqueiras, nossos cabelos roqueiros, nossa babaquice roqueira, a
Fluminense entubou. Nós entubamos.
Não vibrei com a história do Rock in Rio porque, em
última análise, mais uma vez a Fluminense FM entraria com os glúteos e os
outros com o falo. Conscientemente. Meus amigos da rádio (se lembrarem bem),
dirão que, de fato, eu não vibrei por uma razão óbvia. Que conversa era aquela de
dar consultoria de graça a um megafestival, para uma mega-agência? Por que isso? Mais: nós concordamos,
consentimos, não foi nada armado pelas costas. Foi tudo as claras, transparente.
Volta e meia íamos a Artplan onde, num fim de tarde, eu
me abri reservadamente com o Medina, de maneira pouco sutil, perguntando “qual
é a contrapartida que os organizadores do festival pretendem dar a Rádio
Fluminense FM?” e ele respondeu “uma enorme quantidade de convites para serem
sorteados no ar e também rateados entre os que trabalham na emissora para irem
ao festival”. Naquele ponto da história, não havia mais como brigar.
Semanas depois, a enquete ficou pronta e venceram: 1 –
Led Zeppelin (que tinha acabado em 1980); 2 – The Who (parado, em crise); 3 –
Dire Straits (gravando o célebre álbum “Brothers in Arms”); 4 – Pink Floyd (em
guerra judicial, Roger Waters versus David Gilmour); 5 – Queen. A lista tinha vários
nomes e muitos vieram tocar, como foi o caso do AC/DC, Iron Maiden e Yes.
Liguei para a Artplan para mais uma reunião sobre a
enquete. O grande e saudoso Oscar Ornstein (que trouxe Frank Sinatra para
cantar no Maracanã) queria trazer Bob Dylan, mas o bardo deu dois furos nele.
Um, em Nova Iorque. Reunião marcada, Oscar pegou um avião e quando chegou a NYC
disseram que Dylan tinha ido para Paris. Obsessivo, pegou um outro avião e foi
para capital francesa. Dylan furou de novo, mandando avisar que estava no
interior da França.
Dias antes do festival, eu, Maurício Valladares,
Hilário Alencar, Claudia Cid (locutora), Liliane Yusim (locutora) e Álvaro Luiz
Fernandes fomos visitar as obras (veja nas fotos lá em cima). Eu só pensava na condição de rádio
filantrópica que a Fluminense FM tinha se transformado e, nas vésperas do
festival, comecei a perceber que ela não teria futuro (grana!) e muito menos eu
(que não pagava minhas contas com saliva, ego inflado ou discos do The Who).
Semana do festival. A rádio em polvorosa, o que era
natural. Todo mundo animado, corre-corre nos corredores, e eu indignado e mudo
ouvindo na ultra baranga e carcomida Rádio 98 FM, entre um Wando e um Agepê, chuvas
de comerciais do Rock in Rio. Na Rede Globo, idem. Na Fluminense? Nada. Fui
questionado por amigos do mercado de discos (“a rádio não está ganhando nada?”,
perguntavam atônitos) e eu confessava que não. Só “prestígio”. E para mim, o único
prestígio que alimenta é o chocolate de mesmo nome.
Fui a uma feijoada da gravadora Warner no hotel Marina,
que reuniu o Yes e outros nomes da gravadora. André Midani, na época presidente
da gravadora, estava animadíssimo, me deu um forte abraço e, dono de uma
intuição reconhecida por todos, achou que eu estava de mau humor. Desmenti.
Depois, a gravadora EMI fez um coquetel em torno da piscina do Copacabana
Palace, com presenças do Paralamas,
Whitesnake, o insuportável Rod Stewart e outros. Eu dava por encerrada ali a
minha participação no Rock in Rio.
Fui a várias reuniões, visitei as obras, fui as festas e,
dias depois, comecei a preparar a minha saída da rádio. Minha ideia era pedir
demissão logo depois do festival, mas, de novo iludido, achei que com a
repercussão do Rock in Rio (nome da rádio circulando no país todo, terceiro
lugar no quadro geral da audiência no Rio), as agências iriam anunciar em peso.
Não foi o que aconteceu. Bateu estafa e saí em 1 de abril daquele 1985.
O festival rolou e a Fluminense deu um show de bola.
Maurício, Liliane, Hilário, todos que foram lá, ligavam de um orelhão no
gramado, passavam flashes ao vivo, colocavam o fone virado para o P.A. de som e
a audiência sentia um pouco do festival. O Ibope da rádio só subia e eu,
acreditem, não fui ao Rock in Rio I. Uma questão de coerência já que para mim
aquela festa cheirava a baile da Ilha Fiscal. Vi alguns momentos pela Rede
Globo, ouvi pela Fluminense e, naturalmente, contemplei hordas e mais hordas de
comerciais do festival e dos seus patrocinadores associados em várias FMs que
nada tinham a ver com rock, menos na nossa. Foi duro.
O primeiro Rock in Rio fuzilou o amadorismo do show business tupiniquim.
O Brasil até então considerado uma roubada para os empresários internacionais,
ganhou sinal verde graças ao festival. De 30 anos para cá, quantas dezenas de
atrações internacionais, de todos os gêneros musicais, baixaram (e baixam) por
aqui? Por causa daquele projeto nascido em 1984 na Fonte da Saudade,
assessorado por amigos meus que fizeram a mais espetacular, inteligente, ousada
e comercialmente mal sucedida FM do Brasil.
P.S.
– Em 2005, um amigo me apresentou ao presidente de um megagrupo de comunicação.
Meu
amigo – Esse aqui é o Luiz Antonio Mello que fundou uma rádio que foi o maior
sucesso nos anos 80, a Maldita.
O
empresário – Deu dinheiro?
Eu
– Não.
O
empresário – Então não foi o maior sucesso.
Segundo a Wikipédia, quem tocou para quem no Rock in Rio
I:
11 de janeiro de 1985
470 mil pessoas
Queen
Iron Maiden
Whitesnake
Baby Consuelo e Pepeu Gomes
Erasmo Carlos
Ney Matogrosso
12 de janeiro de 1985
250 mil pessoas
George Benson
James Taylor
Al Jarreau
Gilberto Gil
Elba Ramalho
Ivan Lins
13 de janeiro de 1985
110 mil pessoas
Rod Stewart
Nina Hagen
The Go-Go's
Blitz
Lulu Santos
Os Paralamas do Sucesso
14 de janeiro de 1985
30 mil pessoas
James Taylor
George Benson
Alceu Valença
Moraes Moreira
15 de janeiro de 1985
300 mil pessoas
AC/DC
Scorpions
Barão Vermelho
Eduardo Dusek
Kid Abelha
& Os Abóboras Selvagens
16 de janeiro de 1985
180 mil pessoas
Rod Stewart
Ozzy Osbourne
Rita Lee
Moraes Moreira
Os Paralamas do
Sucesso
17 de janeiro de 1985
70 mil pessoas
Yes
Al Jarreau
Elba Ramalho
Alceu Valença
18 de janeiro de 1985
250 mil pessoas
Queen
The Go-Go's
The B-52's
Lulu Santos
Eduardo Dusek
Kid Abelha
& Os Abóboras Selvagens
19 de janeiro de 1985
380 mil pessoas
AC/DC
Scorpions
Ozzy Osbourne
Whitesnake
Erasmo Carlos
Baby Consuelo e Pepeu Gomes
20 de janeiro de 1985
200 mil pessoas
Yes
The B-52's
Nina Hagen
Blitz
Gilberto Gil
Barão Vermelho
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