Nós éramos subversivos vigiados pela polícia política e não sabíamos
Ronaldo e Marcia Neves
Renato de Luca
Antonio Carlos De Caz (no meio) com Daniel e Luciano Ramalho
De mão beijada, a vida nos presenteia com irmãos afetivos. O meu tem nome, sobrenome, caráter, generosidade. Márcio Paulo Maia Tavares e eu nos conhecemos com uns 11, 12 anos de idade quando estudamos no Instituto Abel, em Niterói. Nascia ali uma sólida amizade e eu ganharia um irmão espetacular, que se juntaria a meu querido irmão de sangue, Fernando César, rumo ao futuro que se faz presente, todos os dias, a cada segundo.
Márcio vive num lugar lúdico, que mora em minhas memórias
de adolescente. Um lugar chamado Vargem Alegre, exatamente no meio do caminho
entre Barra do Piraí e Volta Redonda, num sítio que frequentamos muito nos anos
1970. Mas sempre que vem a Niterói (e o Márcio vem muito porque ama a cidade),
nós nos encontramos, o que aconteceu ontem, só que com um plus a mais.
O plus foi a presença de um outro mega-amigo daqueles
tempos (também do Abel), Ronaldo Vieira Gomes, sua esposa Márcia Neves e o
Renato de Luca, guerrilheiro cultural também dos tempos de colégio que no papo
de ontem desenvolveu uma teoria que, as 3 horas da manhã, eu avaliava antes de
dormir. Segundo ele (e eu também concordo), sem saber (éramos ingênuos), Márcio,
Ronaldo, Renato, eu e todo o pessoal da Cultura do Abel fomos tachados de
subversivos. Só não fomos expulsos porque a direção do Abel conseguiu nos
segurar. Sem saber, estávamos sendo observados por agentes da repressão e, tudo
indica, estávamos quase indo em cana.
Por que? 1 – Éramos cabeludos, meio hippies, meio
anarquistas (sem sabermos o que era anarquismo). As fotos de época que o Renato
levou de todos nós são inacreditáveis.
2 – No início dos anos 70 (tempo do mais sangrento ditador
da história do Brasil, Emílio Garrastazu Médici), nós fizemos parte da peça
revolucionária “Arena Conta Zumbi” de 1965, escrita por dois grandes
dramaturgos, considerados comunistas, Gianfrancesco
Guarnieri e Augusto Boal, com música de Edu Lobo, esse também “fichado”. Renato
de Luca contou ontem que a peça foi encenada graças a CEIA (Comunidade
Estudantil do Instituto Abel, um grêmio) que, vejam vocês, para se livrar do
controle do colégio tirou um CGC próprio com o apoio de irmãos lassalistas mais
liberais. Para dirigir “Arena conta Zumbi” foi contratado o diretor Carlos De
Caz, também era considerado “um perigo”
pela repressão.
3 – Via Renato de Luca, a CEIA patrocinou um filme em 16
milímetros chamado “Trans-fusão” (assim mesmo, com hífem), escrito dirigido por
Julio Cesar Monteiro Martins (lamentavelmente morreu no último dia 24 de
dezembro – detalhes em http://colunadolam.blogspot.com.br/2014/12/a-morte-precoce-de-julio-cesar-monteiro.html)
que era um delírio contra a tortura, a
repressão, numa linguagem abstrata que Julio, genial, desenvolveu. Julio
e Renato tinham sim uma visão política do movimento estudantil, que Márcio,
Ronaldo e eu, francamente, não tínhamos a menor ideia. Sem saber, estávamos
caçando borboletas no quintal da Al Qaeda ou, pior do Estado Islâmico.
No papo de ontem, animado pra cacete, além de várias
fotos, relatos e situações Renato contou que durante a montagem de “Arena conta
Zumbi” uma atriz da peça foi procurada por um amigo da família, policial que
disse a ela que havia um agente do temido DOPS (Departamento de Ordem Política
e Social) infiltrado no grupo de atores, monitorando todo mundo.
Foi quando, para aliviar a barra, Renato revelou que
alguém do grupo resolveu fazer uma homenagem ao famigerado governador
(interventor) do Estado do Rio, Raimundo Padilha (integralista, fascista etc.)
que, entre outras barbaridades, recebeu o ditador do Chile Augusto Pinochet no
Palácio do Ingá (sede do governo do Estado antes da fusão com a Guanabara em
1975). Diz Renato que quando o DOPS viu a homenagem, aliviou.
Quando comecei a militar no jornalismo (em tempos de
ditadura, jornalismo é militância política), a partir de 1974, me alinhei com
os democratas. Comecei a trabalhar no Departamento de Jornalismo da super
conceituada Rádio Jornal do Brasil, um ano depois fui escrever no Pasquim, no
Opinião (imprensa assumidamente subversiva), enfim, minha cabeça abriu. Eu
sabia o que estava fazendo (e não era subversão alguma, apenas trabalho) e se
fosse em cana (nunca fui preso/torturado. Toc, toc, toc na madeira) faria
sentido.
Nos tempos de Abel? Nós éramos, Márcio, Ronaldo e eu, três
sujeitos que gostavam de música, garotas, praia, passarinhos e não tínhamos noção
do que estava acontecendo no Brasil na era mais negra de sua história. Mas
Julio sabia. Renato também.
Rimos pra caramba na conversa sobre aplicativos para smartphones
(os caras conhecem tudo), viagens de navio, motocicletas (Márcio é o
motociclista com maior quilometragem que conheço; tem moto desde sempre) e a
Márcia Neves, esposa de Ronaldo deu gargalhada várias vezes vendo aqueles “meninos”
vibrarem com os tempos presentes, tempos futuros e, é claro, tempos passados.
Uma foto eu faço questão que Márcio transforme num poster: é de um carro modelo
Belcar da DKV (dê um Google) passando numa rua ao lado do Abel, e, ao fundo, o
casarão onde Márcio vivia e Ronaldo e eu quase morávamos lá. Demais!
Como cantou Belchior “eu era alegre como um rio/ Um
bicho/um bando de pardais/ Como um galo, quando havia...quando havia galos,
noites e quintais.
É viva os subversivos!
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