Coexistência e Finitude - Alvaro Acioli*
Apavoram as consequências do grande progresso material já
realizado, em todos os campos do conhecimento. Curiosamente um crescente número
de tragédias sociais estão se disseminando através do mundo, depois de tantos
avanços realizados. Multiplicam-se os radicalismos e toda sorte de fanatismos.
A violência e a intolerância, de tão frequentes, sugerem que um transporte
mágico nos conduziu de volta à idade média.
Como naqueles tempos sombrios a força predomina na solução de
todos os conflitos. Registram-se crueldades por todos os lados; nem sempre
consumadas de forma explicita, mas através de sofisticados disfarces.
Um observador mais atento percebe no ar um sentimento de
certo prazer no ato de espalhar a dor. É como se todos os avanços ocorridos
estivessem dominados pelo estigma de institucionalizar a insensatez, as
exclusões mais hediondas, ainda que muito bem maquiadas por criativos programas
de ajuda humanitária.
As fantásticas descobertas não estão semeando alegria e
esperança, nos campos do mundo. Muito ao contrário, multiplicam-se os cultivos
de tristeza, pessimismo, de terror fóbico e de perigo iminente.
Assusta constatar o desprezo com que mitos econômicos
globalizados tratam o destino da humanidade. E o simplismo cínico com que
classificam burocraticamente as sociedades miseráveis como sem chances de
desenvolvimento. Quanto mais os iniciados desses mitos satânicos falam em
solidariedade mais sacrifícios impõem aos que já perderam quase tudo, se é que
ainda possuem alguma coisa, além de um resquício de dignidade.
No campo social, as pessoas estão se relacionando como se a
única maneira de suportar a própria infelicidade fosse impedir a felicidade dos
outros. E essa prática não é acompanhada de consternação ou remorso; ao
contrário, o mais frequente é até uma certa euforia.
Todo dia o telão planetário transmite, no horário nobre,
cenas bárbaras ou tratamentos degradantes com seres humanos. E as cenas de tão
repetidas acabam por se tornarem comuns, não despertando surpresa nem uma ainda
que discreta reação de revolta
Numa época de descobrimentos memoráveis o homem encontra uma
clara dificuldade de entender e assumir a oportunidade de viver e deixar viver.
E não consegue encontrar caminhos capazes de ajudá-lo a encontrar uma melhor
forma de aproveitar suas possibilidades inatas e os seus sentimentos mais
nobres.
Pioram tanto a qualidade da vida humana quanto a da grande
maioria das sociedades. Observa-se uma continuada ação predatória sobre o
ambiente ecológico. Acumulam-se os detritos na já irrespirável atmosfera que
envolve a morada dos homens. Prospera uma sociedade não somente do luxo mas,
sobretudo, do lixo.
O homem não consegue assumir a consciência plena de estar
condenado a viver de uma forma inapelavelmente solidaria. E que essa
contingência e a noção de limitação, que dela decorre, são elementos decisivos
para que ele busque irmanar-se com seus semelhantes, acima de todas as
diferenças.
Imagino o estágio adulto como aquele no qual o desejo de
seguir supera o de voltar, quando as expressões de maturidade predominam sobre
as formas regredidas e a preocupação com o nós é maior que a necessidade
obstinada de afirmação do eu.
Por tudo isso é difícil antecipar o que o homem fará de si
mesmo e dos seus semelhantes, nas próximas décadas. Podem ser imprudentes ou
ingênuas as previsões aparentemente mais lógicas. Pode-se, contudo, especular.
Muitos acontecimentos vão depender de como o homem vai equacionar certos
aspectos de sua vida pessoal e social, como vai repensar as estruturas e os
sistemas que criou, se continuará adquirindo e acumulando, acima de sua
capacidade de consumir. E além de tudo se vai conseguir conscientizar-se de que
sua vida é finita, o que lhe permitiria descobrir que seu futuro está sendo
construído no instante, nesse contraditório aqui e agora.
*Psiquiatra e catedrático.
Comentários
Postar um comentário
Opinião não é palavrão. A sua é fundamental para este blog.
A Comunicação é uma via de mão dupla.