Quentinhas
A senhorinha pequena, magra, mais de 90 anos, chamou o
zelador do prédio pelo interfone. Ela mora em uma esquina onde ficam estacionadas
várias motos de entregadores do iFood, Uber Eats, etc.
- Por favor, entregue uma quentinha para cada. Essa aqui é
para você, essas outras para fulano e Beltrano (funcionários do prédio).
Aqueles meninos das motocicletas não reclamam mas devem estar com fome, ela
disse ao zelador na porta de seu apartamento.
Com luvas que a senhorinha lhe deu, o zelador desceu, saiu do
prédio, atravessou a rua e foi na tal “esquina dos motoboys”, como é conhecida.
Chamou um deles, disse o que era e, logo, vários o cercaram, gratos, alegres.
Um chegou a embargar a voz, enquanto sentava com os outros para almoçar.
- Não sou eu que estou dando, não posso dizer quem foi, mas é
uma senhora muito especial, disse o zelador.
A senhorinha não pretendeu resolver a fome do mundo e muito
menos fazer uma revolução. Ela intuiu que aqueles informais podem estar em
dificuldades e agiu. E vai agir outras vezes, até essa quarentena passar.
Ontem escrevi no Facebook que quando alguém morre de fome perto
de nós significa, aí sim, que o mundo acabou. A senhorinha não quis saber se os
motoboys são velhos, jovens, se estudam, moram em favelas, ela fez o que sentiu
que devia fazer.
Acho que todos nós – ouso generalizar – sentimos essa
intuição, esse desejo de dar um prato de comida, sem questionar se quem vai
receber é vagabundo, é isso ou aquilo.
Eu tenho vontade de ajudar, mas fui orientado por amigos que
trabalham em assistência social que o caminho mais eficaz e saudável é doar
através de uma instituição, que conhece, bem, as urgências, o desespero, as
pessoas, porque por mais que tenhamos boa vontade não vamos conseguir distribuir
comida para todo mundo. Logo, haverá seleção que só quem lida direto com essa
tragédia sabe fazer o que é melhor.
Optei por fazer doações para as Pastorais Sociais de Niterói
que está com a Campanha “S.O.S. Coronavírus”, recolhendo alimentos e material
de higiene para doar às famílias necessitadas e pessoas em situação de rua das
cidades de Niterói e São Gonçalo, através dos grupos de voluntários. Importante: para não quebrar a quarentena,
equipes de voluntários das Pastorais estão indo até as casas dos doadores para
retirar as doações, seguindo orientações para evitar o contágio do covid-19. É
só ligar para (21) 98877-1554/ 98053-0553/ 99911-1195. O Ponto de Coleta fica
na rua Manoel de Abreu, nº 16, onde funcionava o Teatro Leopoldo Froes, em
frente a Praça da República.
Mas assim que encontrar com uma velhinha que esmola por
Icaraí (muita gente conhece) farei questão de quebrar todos os protocolos pela
mais forte das razões: ela me comove muito. Darei, sim, quantas quentinhas ela
quiser.
A única questão é que estou isolado em casa – como a maioria
de vocês – e só eventualmente pego a bicicleta para ir ao mercado e ainda não a
vi. Mas tudo é uma questão de tempo.
Fechando aqui. Gostei da atitude do governo da Argentina de
proibir demissões em todas as empresas por dois meses. Espero que essa medida
inspire alguma alma corajosa para copiar o exemplo por aqui. Afinal, desde
1.500 o Brasil é regido pela ganância, crueldade, desprezo. Por causa de um
lucro menor os sicários são capazes de matar a própria mãe.
P.S.
(...)Alguém
poderia supor que num país desigual a desigualdade seria desigualmente
repartida. Ilusão.
Quando
surgiu a necessidade dos testes para detecção do coronavírus foi preciso que a
Agência Nacional de Saúde determinasse a obrigatoriedade da cobertura pelos
planos de saúde. Feito isso, a Federação Nacional de Saúde Suplementar
(FenaSaúde), guilda das 15 grandes operadoras de planos, informou as condições
para que essa cobertura fosse honrada.
A pessoa
precisava estar com febre acima de 37,8 graus, tosse ou dificuldade para
respirar. Segundo a guilda, “o exame específico será feito apenas nos casos em
que houver indicação médica para casos classificados como suspeitos ou
prováveis de doença pela Covid-19.” (...)
(...) Nos
Estados Unidos, onde não há SUS, mas há capitalismo de verdade, o jogo foi
outro. Na semana passada a seguradora Aetna (22 milhões de segurados) anunciou
que não cobraria alguns pagamentos laterais exigidos nos contratos. A
iniciativa espalhou-se com a rapidez do vírus, e 78 operadoras anunciaram
diversas modalidades de ajuda. David Cordani, CEO da seguradora Cigna (12
milhões de segurados), informou: “Nossos clientes com Covid-19 devem se
preocupar com a luta contra o vírus e em prevenir sua propagação. Enquanto eles
estiverem focados na recuperação de suas saúdes, terão nossa proteção.”
Elio
Gaspari – O Globo.
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