A morte e a morte dos museus - Claudio Valério Teixeira - Do Conselho Internacional de Museus (ICOM) - Da Associação Brasileira de Críticos de Arte (AICA)
Venho me dedicando à conservação de bens culturais há
quarenta e quatro anos. Discípulo de Edson Motta e filho do criador do Museu
Nacional de Belas Artes, o pintor Oswaldo Teixeira, este mundo da arte e dos
museus sempre me cercou, posso mesmo dizer que vivi minha infância dentro de um
museu. O incêndio do Museu Nacional, por conseguinte, inflamou minhas emoções.
Naquele fatídico domingo, quando vi pela televisão as imagens do museu em
chamas, senti uma mistura de ódio e vergonha. Mas, agora, não adianta lamentar.
Duas semanas antes, minha mulher e eu levamos nossos netos para
conhecer o museu. De lá saí deprimido ao constatar o lastimável estado de
conservação da edificação, que exibia flagrantemente a ameaça à integridade do
público, dos profissionais que lá trabalhavam e do valioso acervo. Não é hora de procurar culpados;
responsáveis somos todos nós,
duzentos milhões de brasileiros, como bem disse Eduardo Bueno em depoimento
veiculado em rede social.
O Museu Nacional morreu devido a um terrível acidente, um sinistro
previsível. Nesta triste oportunidade, já que a precariedade e o descaso que caracterizam a história dos museus públicos brasileiros vieram à baila,
já que as autoridades estão sendo cobradas pelas responsabilidades não
cumpridas sobre a proteção de nossos bens culturais, é hora, também,
de nos lembrarmos da morte de nossos museus estaduais, daqueles sob a
tutela do estado do Rio de Janeiro.
No último governo de Sérgio Cabral, ex-governador
encarcerado há quase dois anos, foram fechados o museu Carmem Miranda, que
guardava o acervo da famosa
cantora, um dos ícones de nossa brasilidade, e o Museu dos Teatros, que
abrigava importante acervo relativo à dramaturgia brasileira e sua história.
Extinguiu-se o Museu do Primeiro
Reinado, que protegia importante mobiliário do império e, pasmem, a
planta original da Quinta da Boa Vista, de autoria de Auguste François Marie
Glaziou; tudo isso deixado em comodato no Museu Nacional e, agora, perdido
para sempre. Houve uma ideia
estapafúrdia de se criar no local, antiga chácara da marquesa de
Santos, o museu da moda, que nunca saiu do papel.
O Museu da Cidade, no parque da Cidade, que depois de anos fechado e abandonado, o estado cedeu para
o município do Rio de Janeiro, transferindo sua responsabilidade, melhor
dizendo, sua irresponsabilidade, segue desativado.
Em Niterói, fecharam ao público a Casa de Oliveira Viana, com importante biblioteca
que, dizem, abre a pesquisadores com agendamento. O Museu Antônio Parreiras, há
mais de seis anos fechado para obras, que começam e param repetidamente e nunca
terminam, como uma ópera sem fim, e o público impedido
de conhecer e contemplar
a obra do notável paisagista brasileiro.
Convém citar a nova sede do Museu da Imagem e do Som, o
colossal prédio na praia de Copacabana, exemplo máximo da ineficácia do estado
e da má utilização de verbas públicas, até hoje aguardando esperada
inauguração.
Dos
museus do estado
sobraram poucos; em Niterói,
o Museu do Ingá,
vivendo como diz a linguagem popular, a meia-boca, há pouco foi
fechado por falta de pagamento de luz. Este é o penoso panorama
dos museus do estado do Rio de Janeiro, pouco
lembrado, até a próxima tragédia. Se o Museu
Nacional morreu devido
a um sinistro, os museus
do estado do Rio
foram exterminados por vontade e decisão dos
governantes.
Para complicar e mascarar a negligência, o governo
federal, num arroubo político tardio e de consistência duvidosa, tenta impor
uma agência de museus, numa ação mal dissimulada de interesse pelo patrimônio cultural
e museológico, quando,
na verdade, mais parece uma iniciativa
de passar adiante a responsabilidade, de se ver livre do bem público.
Sabemos, desde
sempre, que os museus federais vivem à míngua.
Podemos dizer,
com raras exceções, que estão como no samba de Nelson
Sargento:
“agoniza, mas não morre”. Mas, às vezes, morrem.
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