Uma praga chamada Makita

     
                                                                                         Ela, a besta
Makita é uma marca. Fábrica japonesa de ferramentas elétricas. Makita produz uma serra que corta mármore, porcelana, superfícies muito duras e dizem que é usada até por casais sadomasos em suas intimidades. Transformada em praga urbana por causa do barulho infernal, ela também serra fora o saco de milhares de pessoas, serra também os tímpanos, a cabeça e conduz humanos a insanidade do mandril.

Houve um tempo em que a praga das cidades eram os pardais piando, fazendo coco em cima da gente, mas como acabaram com as árvores os pobres pardais sumiram. Outra parte foi exterminada pelo fumacê, máquina de soltar fumaça que as lendas diziam que matavam o mosquito da dengue, mas pelo visto acabaram atraindo mais dengue e zika, chicungunha, febre amarela, sarampo, catapora, enfim, o Brasil vive uma era de saúde pública vintage. Tudo o que Oswaldo Cruz fez a partir de 1900 para acabar com as pestes e epidemias tropicais (ele quase foi linchado por isso), os governos recentes trouxeram de volta, graças a criativa dupla corrupção e incompetência.

Sem pardais, raros bentevis, a makita impera, ao lado dos maus motoboys que serram (com makita) os silenciosos de seus jegues de aço aproveitando a ausência de governo em todos os níveis. Aceleram aquela bosta e haja ouvido para pedestres, passageiros de ônibus, ciclistas.

As makitas só rivalizam no quesito barulheira com os pobres dos cachorros, cujos donos saem de manhã, os deixam sozinhos nos apartamentos latindo o dia todo. Em muitos casos, dia e noite, atormentando geral. Aqui perto tem um, recentemente jurado de morte por um homem que, com filhos gêmeos recém nascidos em casa, não conseguia faze-los parar de chorar quando acordavam por causa dos latidos. Do cachorro, não do pai enfurecido. Ninguém dormia.

Um dia ele foi a luta, andou pelas ruas, calçadas procurando onde estava o canino, mas a acústica dos prédios de 20, 25 andares não deixa você localizar nada. Se alguém grita “ô, viado!” o cara fica sem saber de onde veio o berro o resto da vida”. O pai de gêmeos queria achar e obrigar o dono a dar um jeito, “nem que eu tenha que arrebentar ele, o cachorro, a casa toda”. A turma do “deixa pra lá meu chapa” tentou jogar água, “para com isso, você tem dois filhos pra criar”, mas ele parecia decidido. “Sabem há quanto tempo vivo esse inferno? Seis meses! Da manhã a noite porque trabalho em casa. Coloquem-se no meu lugar”. Ninguém quis se colocar.

Trabalhadores da construção civil começam cedo. As oito da manhã as makitas já estão cantando. Duas no meu prédio (o som vem pelas paredes), duas no prédio de trás, uma mais a direita um pouco longe e uma outra. Quando uma para, a outra dispara. Um dia desses subi e fui conversar com o sujeito. Toquei a campainha 18 vezes (ele não ouvia) e quando abriu a porta parecia uma múmia, envolto em poeira de mármore da cabeça aos pés. Reclamei e ele, educadamente perguntou “o senhor acha que eu gosto? O barulho vem dentro de mim e eu ainda respiro esse pó que gruda no cabelo e no corpo todo”. Avisei, falando a verdade. “Makita mata, meu chapa. Pior que cheirinho da loló misturado com Bardhall, Tylenol, Bozzano e cocaína”. Não sei o que aconteceu, mas ele sumiu. Quer dizer, sumiu do apartamento para trabalhar ali embaixo, se juntou as outras makitas.

O inferno só piora. Os makiteiros viraram um exército enlouquecendo as pessoas. Soube que está rolando um abaixo assinado para proibir essa máquina infernal mas eu não vi nenhum fundamento jurídico, apesar de não entender bicas de direito. Estava até escrevendo uma ficção aqui para coluna chamada “O exterminador de Contadores”, uma doce homenagem, mas as makitas me transtornaram tanto que desviaram os tiros.

O que fazer? Pardal, OK. Bentevi, OK, Cachorros neuróticos, hiperativos, OK. Mas makita, não. Pensei em fazer um adesivo, “#elanão”, mas acho que não é o momento indicado. Caso haja erro neste texto peço que vocês relevem. É o último que escrevi durante o dia. Agora volto a escrever a noite/madrugada porque estou sitiado pelas makitas, motos, auto falantes de kombis vendendo ferro velho, buzinaria de carros....

Como cantou Jards Macalaé, “estou cansado/ e você também/ vou sair sem abrir a porta/ e não voltar nunca mais...”. Se essa música, a bela “Movimento dos Barcos”, não fosse de 1972 eu diria que ele se inspirou numa japonesa sádica dessas.

Só Odara aguenta.

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