"Decepcionistas"
As recepcionistas de salas de espera
são espécie em extinção. Nos anos 1980, década de recessão aguda
e hiperinflação que culminou com a eleição de Collor, tentaram
substituí-las pelas secretárias eletrônicas. Não deu certo. Hoje, segunda
década do século 21, assistimos a proliferação das “decepcionistas”, que
assombram muitas e muitas salas de espera pelo país.
Aliás, por que muitas salas de espera são insuportavelmente
quentes, desconfortáveis, feias, com verdadeiras arquibancadas portáteis onde
as vítimas aguardam para ser atendidas? Pior, com aparelhos de TV que parecem
ter saído do lixo e canais escolhidos pelas "decepcionistas"? Sala de espera é
cartão de visitas, é outdoor.
Em geral, as “decepcionistas” são grossas, carrancudas e
amargas, desde o instante em que ligamos para um profissional (de qualquer
área) para marcar um encontro/reunião/consulta até o momento em que damos de
cara com a medusa em questão. Um dia antes, de má vontade, ela telefona
para confirmar o encontro e ai daquele que não confirmar. “Não poderei ir
amanhã”, confessa a vítima. A resposta vem como um dardo: “só tenho (assim, na
primeira pessoa) daqui a dois meses.”
Além da grosseria, outro ponto em comum entre elas é
a temperatura ambiente. Nós, que em geral pagamos o encontro/reunião/consulta
com o (a) chefe da “decepcionista”, saímos de um sol de 50 graus e muitas vezes
somos obrigados a encarar uma sala de espera estufa ou, quando tem ar
condicionado, permanecem mornas porque a “decepcionista” sente muito frio.
Tempos atrás pedi “a senhora pode aumentar o ar condicionado?”. O bugre atacou
“não, aqui está muito frio. O senhor vem da rua, mas eu fico aqui o dia
inteiro”. Para não perder a cabeça e, principalmente, a consulta, fiquei
quieto.
Quando você liga em março querendo agendar uma consulta,
por exemplo, a “decepcionista” atende com aquela voz de tédio e azedume e
pergunta, secamente, “é plano?”. Você diz que é (plano de saúde para elas é
crime) e ela não esconde o êxtase ao informar que “para plano, consulta só em janeiro”.
Atônito, você rebate “mas ainda estamos em outubro” e ela encerra: “e daí?”,
tipo “quem manda aqui sou eu, meu chapa” e, na verdade, parece que é a
pura verdade. Quem manda naquele terreiro é mesmo a “decepcionista”, que acha
que plano de saúde é de graça.
Os casos são muitos. O sujeito chega a uma consulta
marcada para as 14 horas e a sala de espera está mais cheia do que van
Copacabana-Central do Brasil, as 6 da tarde. Um enigma. É a
“decepcionista” que enche a sala de propósito ou é a chefia que manda? O
sujeito espera uma hora e é atendido. O chefe da “decepcionista” manda ele
marcar uma outra consulta na saída, ele marca para o dia tal, do mês tal, as 16
horas. Chega as 16h30m, sala de espera lotada, o cara das 15h30m sequer foi
atendido e a “decepcionista”, com TPM mental, coça a virilha e dispara: “o
senhor está atrasado, vai ter que marcar nova consulta”. A vítima tenta
argumentar “mas a pessoa que está antes de mim nem foi chamada...” e a ema do
apocalipse despeja “não interessa, está atrasado, tem que marcar
outra consulta”.
Não esqueço, ano passado, numa sala de espera, um sujeito
de terno que não aguentou a patada de uma “decepcionista” dessas. Ele disse “a
senhora sabe o que é Google? Se não sabe, o Google já inventou carro que anda
sozinho, enfermeiro robô, bancário de alumínio e vai chegar o dia que em seu
lugar vai estar sentado um androide educado, minha filha”. Levantou e saiu.
Sorte, porque ter a coragem de chamar uma “decepcionista” de minha filha é beijar
boca de cobra.
Senti vontade de aplaudir, mas e a vingança da bastarda?
Não quis arriscar.