Manual do Orgasmo
Óleo sobre tela. Robert Lenkiewicz
No tempo que existia chuva aqui no sertão fluminense, estava
numa livraria dando um tempo. Chovia pra cacete lá fora e o trânsito lembrava
um enorme jacaré bêbado. Livraria vazia. Entra um casal. Ele calmo, jeitão de
economista, óculos com lentes fundo de garrafa, meio mal humorado. Ela,
agitada, colorida, enterrada numa calça legging rosa arrochada; mulher bonita, brincalhona, aparentemente fogosa.
O aguaceiro engordou na rua. Não gosto de andar na chuva
porque toda hora enfiam um umbrella na minha cara. Umbrella é
guarda-chuva em inglês...só pra contrariar. Brasileiro, apesar de tropical,
convive muito mal com as tempestades, mas como até chuva roubaram aqui no
sertão fluminense, tudo bem para eles.
Voltando ao casal, ia tudo muito bem até ela pedir um
livro, subindo o tom da voz. “O senhor tem o Manual do Orgasmo?”. Até eu fiquei
sem saber o que fazer. Quem estava embrulhando parou de embrulhar, quem estava
empilhando livros parou de empilhar e eu que estava lendo orelhas parei de ler.
Como todos prevíamos, o tal homem sereno virou um mamute enfurecido. Verde
de ódio o sujeito levou a mulher para um canto e, tentando falar baixo,
vociferou: “Precisava me humilhar? Vamos embora! Chega! Eu não aguento mais!”.
E saíram no toró mesmo, soltando mísseis.
Não precisava ser daquela maneira. Muito se fala de alma
feminina, dos cuidados que temos que ter com a mulher, com os desejos da
mulher, com a liberdade da mulher, com a sensibilidade da mulher. Mas que fim
levou a alma masculina?
Uma mulher que entra numa livraria com um marido daqueles
e pede, vociferando, o “Manual do Orgasmo” está querendo barraco. Ou então
pedindo. Alguém dirá “quem sabe, era meio burrinha”. Não! Não existe mulher
burra. Se aquele mulheraço estivesse a fim de comprar o tal manual para
usufruir teria ido sozinha, ou com amigas, irmãs, com o cachorro, tudo, menos
com o marido. Uma sutil (?) maneira de dizer “benzinho, você está precisando
afogar melhor o seu gansinho”. E o tal livro (acabei dando uma olhada) parece
manual de funcionamento de freezer. A tomada é aqui, você liga ali, tem um
botãozinho que faz isso, uma carrapeta que faz aquilo. Pior: sem garantia, sem
Procon.
Por mais que as
revoluções sociais, conceituais e etc e tal ensinem, o homem (pensando calado,
nos inconfessáveis confins da madrugada) precisa ser enganado. Precisa achar
que é o princípio, meio e fim na vida de uma mulher. Precisa ser herói, único,
indispensável, insubstituível, eterno. O homem sabe que é mentira, mas essa
mentira é sua fonte de sobrevivência. Em outras palavras, o homem é um imbecil.
Numa boa, sem ofensas. Ah, mas as coisas mudaram, dirão alguns. Mudaram
coisa nenhuma. O homem ainda é o mesmo primata das cavernas, macho, guerreiro,
predador de lobos. E pobre da mulher que cair no conto da evolução.
Um dos maiores confrontos do homem é o mistério que ronda
o orgasmo da mulher, descoberta recentíssima, anos 1950/60. Está provado que a
maioria dos homens vai para a cama muito mais interessados em fazer um belo
workshop do que em sentir prazer. Cama é uma espécie de showroom desse tipo
que, diz a lenda, estaria em extinção. Um leitor, certa vez, confidenciou num
bar na estação das barcas: “Olha, não existe nada mais importante do que uma
mulher derrubada, com aquela cara de bagaço, esgotada. É quando me sinto
Hércules, Sansão, Homem Aranha”. Perguntei sobre a sua satisfação
pessoal. O cara ri, bate com o copo de Genebra na mesa e arremessa:
“Prazer eu sinto vendo o prazer dela”.
O homem é um golfinho de Miami sexual. Vai para a cama
para ser aplaudido de pé, ou de joelhos. Condenada estará a mulher que,
estonteada pela hipnose liberalista que de vez em quando bate em alguns,
confessa que ele é mais um. Ele sabe. Todos sabem. Mas o homem que ser o único,
the best, The Beatles naquele palco. Dentro dessa conjuntura imagine o que o
tal sujeito da livraria sentiu quando a mulher, ao pedir o Manual do Orgasmo,
declarou publicamente que seu macho falha, pifa, dá tilt, é mosca de padaria.
Segundo o que ele achou. É aquela
história de Bentinho que Machado de assis criou em “Dom Casmurro”. Toda a
cornofobia que o livro passa é narrada pelo próprio Bentinho, mais ninguém.
Um conhecido separou-se da mulher há uns anos. Vivia
reclamando que a vida estava ruim, que não a amava mais. Conversaram, muita
choradeira e ponto final. Três meses após a separação ele me contou que tinha
dormido na casa dela. “Saudade é fogo”, comentei. Mas ele rebateu: “Saudade
nada. Soube que ela já estava saindo com outro sujeito, me bateu paranoia e eu
fui lá. Consegui melar tudo”.
O pior é que, até hoje, quando a ex-mulher começa a roçar
em outro ele vai lá e molesta só para não perder o lugar que ele mesmo não
quis. E ainda diz que ´ex-mulher não existe`. Alma masculina é chumbo grosso.
Homem liberal só existe em anúncios de uísque. Machos,
seres rudimentares e inferiores, nascem com várias escrituras de propriedade
imaginárias na cabeça, e apesar da psicanálise, da cromoterapia, da
neurolinguística, dos florais de Bach, da homeopatia, enfim, de toda a
modernidade ainda somos os mesmos... e (por que não?) vivemos como nossos pais,
como cantou Belchior nos anos 1970.
Haverá cura para o homem na sociedade contemporânea? Vai
chegar o dia em que ele conseguirá viver sem honra ou mérito, ou sem honra, ou
sem mérito? Será que um dia a mulher poderá comprar o Manual dos Orgasmo ao
lado do marido como se estivesse comprando alpiste para o canário? Viveremos
momentos onde ex-mulheres imediatas (segundo a literatura, a mulher se livra
definitivamente de um homem num prazo que corresponde a 20% ao da convivência.
Exemplo: conviveu 20 anos levará quatro para se livrar) poderão namorar
livremente por aí? Não. Até segunda desordem o maior drama do homem não é viver
sem mulher, é viver sem urras, elogios, “obrigado meu amo”.