Meu afeto não se encerra
Passei os dias recentes envolvido com o afeto profundo.
Muito profundo, abissal. A cada lugar que fui, lembranças, muitas lembranças e
um sentimento bem mais poderoso do que a saudade. É quando sentimos falta,
muita falta, de pessoas e momentos que se eternizam no afeto profundo, lá
embaixo, no abissal e mistérios inconsciente.
Óbvio, ninguém é igual. O ser humano é diferente até dele
mesmo já que a coerência radical, prima bem próxima da teimosia, é
eventualmente burra. Por isso, por essa livre e saudável ausência de isonomia
afetiva, cada humano tem com o afeto uma relação distinta. Com o afeto
profundo, essas diferenças se abrem como grandes abismos e muita gente não
consegue lidar com ausências.
Acham que o choro é fraqueza, que o lamento é covardia
dispensável, que o “estado blues” que nos acomete tem que ser massacrado,
assassinado, deletado, arquivado, atirado no lixo, em nome de uma suposta
superioridade existencial. Dizem que os ocidentais, em especial os pequeno-burgueses
(também chamados de “coxinhas”), preferem ignorar o afeto profundo. É mais
fácil? Não. É como um cheque pré-datado, daqueles que batem na conta lá na
frente, com juros e correção.
Minhas noites na orla do Gragoatá foram especiais porque
mergulhei no afeto profundo. Nó na garganta quando o cheiro do mar misturado ao
de óleo combustível dos navios de guerra e dos zepelins que um dia surgiram na Boa Viagem me bateram na alma. Foi bom. Foi bom
homenagear quem eu queria que fosse homenageado, através de lembranças, poemas,
vento do litoral, o azul petróleo da noite.
O meu afeto não se encerra. Prefere transmutar como as
auroras boreais. Nunca as mesmas. Sempre as mesmas. Assim é. Assim será.
Sempre.