Pimenta no lombo dos outros é Fanta Uva
Quando chega outubro a inclemência acende o maçarico
anunciando o apogeu da primavera que traz no bojo o bafo quente na nuca, cupins
de lâmpada, tanajuras, o canto deprimente das cigarras, arrastões nas praias.
Para alegria do governo e seus comparsas (empresas de
energia elétrica) é hora de bandeira vermelha na conta de luz, mais uma
realização do governo Dilma. É nessa soleira que boa parte dos brasileiros em
sua crônica bovinização contemplativa liga ventilador e ar condicionado para
conseguir dormir, viver e morrer numa grana quando a conta de luz chegar. Estou
escrevendo num ônibus com ar condicionado que cruza boa parte de São Sebastião
do Rio de Janeiro, onde o trânsito começa a se transformar na lenta lacraia do
final do dia.
O motorista mantém a temperatura em 20 graus (que
delicia) apesar de alguns passageiros (masoquistas) pedirem mais calor. “Não
posso, são ordens da empresa” e como hoje acordei meio enviesado me meti na
conversa e acrescentei “a temperatura está ótima; o senhor deveria ter
escolhido um ônibus sem ar ou então trazer um casaco”. O cara olhou para mim,
ia falar qualquer coisa, mas desistiu.
Lá fora de cada 10 carros que vejo, nove tem ar
condicionado. Lembro do amigo Reginaldo que ano passado trocou um carro sem ar
com zaralhadas de cavalos de potência por um 1.0 com ar. Ele me disse que
“cansei de padecer, fingir que esse flagelo do calor é oba-oba, chuva suor e
cerveja”.
Com o desmatamento generalizado a temperatura subiu ainda
mais e tornou-se insuportável para muitos. Exceção para a indústria da cerveja,
filtro solar, e de babaquices em geral. Lembro que quando fui fazer vestibular (que por si
só já era uma merda), acordei as 6 e meia da manhã e encarei um calor demolidor
para chegar ao local da prova, que não tinha ar condicionado. Acordar cedo já é
um suplício, com calor vira humilhação e com vestibular é fim do mundo.
Leio que no Rio somente 30% da frota de ônibus tem ar
condicionado. Como assim? Imagine ônibus sem calefação em Moscou, Londres,
Paris, em pleno inverno? Morreria todo mundo. Aí vão dizer, “mas aqui não
morre”. Não morre é o cacete. O calor traz dengue, zika, giárdia, febre
maculosa, malária, conjuntivite, febre amarela, dengue, chikungunya, etc.
Ou seja, morre gente pra cacete. Especialmente nos últimos anos, quando o país
foi atirado no esgoto.
Essa transição chamada primavera (na verdade um verão
travestido de floricultura) gera aporrinhações extras. Por exemplo, os
comerciantes espertos ligam o ar condicionado no mínimo. Os modelos split
indicam a temperatura desejada e não a temperatura ambiente.
Chegamos num restaurante e o ar marca 23 graus, mas o
calor é forte, suamos em bicas, reclamamos com o garçom que logo aponta para os
23 graus. Não chega a rolar bate boca, mas ele sabe que está errado e
quando insistimos ele baixa a temperatura.
Já decepcionistas e atendentes de consultórios e escritórios,
quase todas, sei lá porque são friorentas. Passam o dia sentadas
ali, segundo elas “na ponta do iceberg” e quando chegamos está um
forno. Pedimos para baixar a temperatura e elas, sempre de má vontade, resistem com o
mesmo argumento: “poxa, mas está marcando 24 graus”. Fazer o que?
Pimenta no lombo dos outros é chica bom.