Os 50 anos da ópera rock Tommy, do The Who
É
assustador constatar que a ópera rock Tommy, do The Who, vai comemorar 50 anos
de lançamento no próximo dia 23. É assustador por uma série de motivos.
Não
lembro quando e nem onde ouvi pela primeira vez, mas com certeza mão foi no ano
do lançamento porque os discos do The Who saíram no Brasil com um grande atraso
e fora de ordem.
Conheci
a banda quando vi a capa falta de “The Who Live at Leeds” numa loja de discos
chamada Stop que existiu em Icaraí. Capa falsa porque a gravadora no Brasil
achava que a original, um envelope pardo de correio apenas com o carimbo “The
Who, Live Leeds”, era anticomercial e inventou outra com uma foto. Tinha razão. A original era anticomercial
mesmo porque comprei o disco por causa da foto.
Capa original inglesa
Falsa capa brasileira
Eu
havia lido em algum lugar que “Live at Leeds” tinha sido eleito pela crítica
internacional o melhor disco de rock gravado ao vivo especialmente por causa do
peso e da versão distorcida e atonal que a banda deu a ópera “Tommy”.
Quando
ouvi quase caí para trás. O que era aquela banda, o que era aquela ópera, que
som demolidor e genial era aquele? Quase gastei “Live at Leeds” num toca discos
Philips, cujo alto falante direito acabou estourando. Apesar de comportado,
respeitador, cordial, a vizinhança achava que eu era um cabeludo
transgressor, talvez por causa do tipo de música que explodia no meu quarto,
talvez por causa de uns poemas estranhos que andei (e continuo) escrevendo,
talvez porque me meti em cinema alternativo filmando em super 8 numa fila no
INPS (hoje INSS) onde um personagem tentando aposentadoria virava uma árvore de
tanto esperar atendimento, talvez por isso o turbulento e saudoso amigo Julio
Cesar Monteiro Martins, diretor do filme, foi chamado pela polícia para dar
explicações, talvez porque andei fazendo experiências com textos de parágrafos
longos, sem pontos, só com vírgulas, talvez pelo fato de não achar a vida
bela, no máximo uma ruela.
Como
disse lá em cima, não conheci “Tommy” em 1969 mas só por volta de 72, quando já
era fã dos caras por causa de “Leeds”. E quando ouvi Tommy fiquei atônito, sentindo,
sentido, sentindo, “see me/feel me/touch me/heal me” e o LP duplo me engoliu.
Ouça aqui: https://bit.ly/2LA4luP
Ouça aqui: https://bit.ly/2LA4luP
Como
fã, suspeito como todo fã, passional, achei que algo voava mais alto do que os
zepelins de Dylan, Lennon & McCartney, Jagger & Richards, e esse algo
se chamava Pete Townshend, guitarrista e líder do The Who, autor de todas as
músicas da banda e, mais tarde constatei, um escritor descabelante.
Finalmente
uma foto de Townshend e um texto de 10 linhas sobre The Who saiu numa grande revista que existiu chamada Manchete
em uma matéria sobre o rock dos anos 70. E dizia que o autor da consagrada
ópera rock “Tommy” não se preocupava com o fato de escrever letras difíceis
porque “eu me habituei a jogar pérolas aos porcos, já que escrevo sobre
sentimentos profundos, sintonia fina, sabe?...é isso, pérolas aos porcos, Tommy
é uma delas”.
A
história de um garoto que fica cego, surdo e mudo por trauma psicológico não
foi o que me seduziu no disco porque não entendia inglês. O que me laçou foi a
música, a estupidez maravilhosa da guitarra/violão/piano/banjo de Townshend, a bateria
inimaginável de Keith Moon e o baixo mais rápido do que todas as guitarras de
John Entwistle e a voz do Daltrey. Como “Tommy” é um álbum simples, as veias
ficam abertas, os instrumentos na nossa cara. O musical inglês "Tommy" que Steve Altit da Topcat trouxe ao Brasil há uns meses mostra claramente.
Mais
tarde, com todas as letras traduzidas, entendi o chute na boca do estômago que
Pete Townshend escreveu ao longo daquela corajosa jornada de 75 minutos e 12 segundos
e 24 faixas.
Não
vou escrever que “apesar dos 50 anos, Tommy parece ter sido feito hoje” porque
não acho que o imbecil momento musical mereça. Pode ser que no futuro o mercado
mereça ser servido por uma iguaria de altos teores poéticos, fartura musical, e
emoção sangrando pelos poros.
Pérolas
aos porcos, enfim.
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