Sofrência


As novas gerações estão desconectadas da chamada mídia formal. Garotas e garotos tem seus códigos próprios e, pelo que vejo, ouço, converso, frequentam-se mutuamente numa rica troca de ignorâncias. Ignorância no sentido literal, de ignorar. Neste caso, propositalmente.

As novas gerações terão sempre razão e entendê-las minimamente é tentar evitar ser chutado para fora da van da história.

É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem

(Belchior)

Ouvir filhos, enteados, netos, sobrinhos, agregados, com atenção é conectar-se ao presente, ao tempo deles, especialmente na adolescência, quando eles tentam escapar do maçarico da fase adulta que chega incendiando os portais da puberdade.

É quase inútil, mas vale tentar convencê-los (muitos, nem todos) que talvez fosse bom conhecer, também, outros tipos de músicas fora do eixo sertanejo industrial-pagode de merda- funk, etc.

Paralelamente, a ignorância literal é um direito e se as novas gerações (muitos, nem todos) gostam de ler quinquilharias na internet, assistir you tubers, ouvir safadões, estão em seu pleno direito de surfar a liberdade a sua maneira. Quem somos nós para empurrar Clarice Lispector, Cacá Diegues, ouvir Keith Jarrett? 

Não adianta vociferar “vocês tem que assistir CNN, Al Jazeera, Globonews e não essa cisterna de purpurina tola e fútil dos you tubers” porque não somos modelo de nada. Quem somos nós para reclamar (eles chamam de sofrência, neologismo que funde sofrimento com carência)“ouçam a remixagem de Sgt Pepper dos Beatles, ouçam Jimi Hendrix e não essas bostas que vocês espetam nos ouvidos com seus celulares.”

Se muitos das novas gerações não leem bem, escrevem mal, são ególatras ao extremo, alienados e vazios isso é um conceito nosso. Ponto. E não deles. Ponto. A minha geração era cercada de brilhantes livros, jornais, revistas, filmes etc mas vestiu o pijama, passeia com o canário na gaiola pelas ruas de manhã, entra numa padaria qualquer para beber coalhada e conversar sobre coisas que não existem mais, o impávido colosso do saudosismo brocha, completamente brocha.

Parte da minha geração até se rebelou no final dos 60, nos 70 e 80. Fomos para a rua, abaixo a ditadura, abaixo isso, abaixo aquilo, pedradas, gás lacrimogênio. Lemos tudo sobre Lamarca, Che, Ho Chi Minh (tive um canil com o nome dele), pedradas para lá, bombas para cá, assistimos a filmes “sinistros” como “Pra Frente Brasil”, de Roberto Farias, “Desaparecido”, de Costa Gavras, até o dia em que, isoladamente, pulei fora.

Nós, gênios, vovôs sabem tudo, babamos a glande de Tancredo, e também por causa dele o país foi governado pela seguinte confraria: José Sarney (eleição indireta, fez um rolo no congresso e ficou cinco anos no poder), Fernando Collor (eleição direta como todos a partir dele), Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso (dois mandatos),  Lula (dois mandatos), Dilma (quase dois mandatos, total de cinco anos e 243 dias), Michel Temer, vice de Dilma nos dois mandatos, e o próximo, Jair Bolsonaro, 120 dias.

Como reclamar das novas gerações se fizemos isso? Ainda assim, gente da nossa geração liga o computador cheirando a naftalina e começa a lamuriar nas redes sociais, achando que as novas gerações tinham que estar participando deste momento histórico do Brasil, detonando tudo. Reclamam que filhos e netos não conversam em casa. As vezes entram nas redes e dizem “as novas gerações só querem uma coisa do Brasil: pular fora daqui”, eu respondo “e daí?”

Há muitos filhos e netos que entram porta a dentro com a cabeça enterrada no celular teclando com sua rede, trancam-se no quarto fazendo sabe-se lá o que online e só saem para banho, comida e tosa, como um pet. Não querem saber quem governa o país, que país é (eles tem mais o que não fazer para pensar nisso), quem é quem na TV, não assistem a noticiários, não ouvem rádios. É só eu, eu, eu, e a sua rede de contatos. E quando digo para os meus contemporâneos que isso não é problema nosso, eles gemem de horror.

Nos fins de semana muitos das novas gerações vão a festas de sua rede. Uns bebem, uns fumam, uns tomam MDMA (droga fatal conhecida como Michael Douglas) um ou outro morre e na pré alvorada da onda da madrugada voltam para o seu minifúndio (casa dos pais), alguns com namoradas ou namorados e se embolam trancafiados em seu bunker/quarto, depósito de enigmas e tabus para uso pessoal e intransferível.

E daí?

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